Rui Werneck de Capistrano

Achei um texto antigo meu que, por sinal, vale até hoje! Ou Curitiba não mudou, ou não me chamo Deolindes do Espírito Santo Amém. Veja aí como a coisa aqui (não) funciona quando te procuram para fazer parte da esfuziante vida cultural da cidade. Mude a cena com personagens mais novos e… divirta-se.

Poemas (se você não tem)
— Cara, bom te encontrar. A gente vai lançar uma revista de poemas e pensou em você. Tem alguns prontos?

— Não.
— Que pena! Só vai entrar gente da pesada: os irmãos Prado, Josely Biscaia, Sossélla, Corona, Jacques Brand, Jamil Snege… tem um patrocínio fudido, capa quatro cores, papel cuchê. Blablablá! Tchau!
 
Poemas (se você tem)
 
— Cara, massa! Te encontrei na hora certa. Vai sair uma revista da pesada. Você tem que entrar. Sem você a coisa não tem graça. E aí: tem poemas?
— Tenho sim.
— Legal. Então me leva hoje à tarde, sem falta, que eu vou submeter ao resto da patota: são cento e vinte. Bem, só que a gente tá meio mal de grana. Cada um vai ter que entrar com uns 500 pilas. Blablablá! Topa?
 
Teatro (se você não tem texto)
 
— Ô, figura! Pô, tava até te procurando. A gente tá aí com um grupo de tiatro – só gente isperta! E tá muito a fim de montar um texto… mas, coisa nova… porruda… bem tchans! Pensamos em você, claro! Tem algum?
— Não.
— Orra, que pena! O grupo tá muito unido, todo mundo vibrando… Pintou altas granas da Lei Sarney. Dá pra fazer um troço ducaralho. Pena! Blablablá!
 
Teatro (se você tem texto)
 
— E aí: escrevendo muito? Vim atrás de você porque sei que você tem… tem né? A gente quer um texto ducacete pra montar com nosso grupo novo. Um texto beleza! Tem aí?
— Tenho.
— Tem?!
— Tenho. Tá aqui!
— Bem, mas… não pode muito longo, nem ter muitos personagens, nem ser muito político, sabe, né? Nem muito água-com-açúcar… A gente quer ensaiar alguma coisa com dois atores. A temporada é de três dias no Mini. Sei lá, acho que você não vai topar… a grana é pouca. E essa peça tua… é muito cabeça…
 
Música (se você não tem letra)
 
— Ô, meu! Tudo em cima? Na boa? Pô, soube que você fez letras pruma banda de Porto Alegre. Legal! Pô, tô muito afinzão de fazer umas músicas. Conheço uma banda: só filhinhos-de-papai. Altos instrumentos… batera importada… Que tal a gente fazer uma parceria? Tem alguma letra?
— Não.
— Puta azar! Não sou bom de letra… E os caras vão fazer um show em Sampa, abrir pro Sepultura. Grana preta! Passagem, hospedagem e tudo mais. Se você tivesse… Pena! Blablablá
 
Música (se você tem letra)
 
— Aí, gente boa! Foi bom te achar! Tomando uma, heim? Posso filar um copo? Sabe, cara, pintou um lance, tá ligado, uma banda… os caras querem música nova… estão ensaiando pra valer… Pensei em entrar nessa. Quer dizer: a gente podia entrar. Saca uma letra que eu boto música. Tem pronta?
— Tenho.
— É isso aí, ducacete! Pô, meu, em cima! Mas não sei se vai dar tempo… os caras viajam hoje à tarde pra Sampa… vão gravar uma bolacha… tinha que entregar bem antes… Mas, tem nada não! Fica pra outra. E, também, eu tô meio sem tempo…
 
Cartum (se você não tem)
 
— Quer entrar ou não quer? Pintou uma exposição de cartuns. Só cartunista novo, que tá agitando: Solda, Miran, Guinski, Cortiano… Você tem que ir nessa. Tem cartuns novos?
— Não.
— Que pena! Pô, vai sair pela Fucucu o catálogo. Depois a exposição vai pra Sampa, pro Rio e até Nova York. Tem que entregar até hoje. Pena… blablablá!
 
Cartum (se você tem)
 
— Você tem que entrar, cara! Pensamos em você. Teu traço tá legal. A revista deve sair até julho, agosto. Tem cartuns?
— Tenho uma porrada.
— Bem, mas não sei se você vai gostar… a gente tá tentando um patrocínio. Pode demorar… E cartum, cê sabe, tem que ser… tem que ver quantos vão entrar. Vai ter uma seleção… convidaram os cobras. E pintou muita gente nova. A gente se fala depois. Falô?
 
Textos (se você não tem)
 
— Vai sair uma antologia de textos de escritores curitibanos. A nova literatura paranaense. Gente de talento. Seu nome foi lembrado. Os organizadores te acham indispensável. Tem texto?
— Não.
— Mas você não pode ficar fora! Teu texto é ma-ra-vi-lho-so! E o livro vai ser distribuído no Brasil inteiro, prefácio do Paulo Francis. Capa do Poty. Dez mil exemplares. Ainda pagam cinco mil pra cada colaborador. Que pena! Blablablá.
 
Texto (se você tem)
 
— Tem texto novo? Um livro… vai sair… massa! Pediram pra te encontrar e levar um texto. Você tem que entrar. Junto com Roberto Gomes, Emiliano Pernetta, Juril Carnascialli, Flora Camargo Munhoz da Rocha, Reinoldo Aten, Moisés Paciornik, Wanderley Dias… só gente da pesada! E daí, tem texto? Levo já!
— Tenho. Mas, sabe, pensando melhor… deixe!
 
A melhor de Curitiba.
 
O cara, teu chapa, amigão de toda hora, chega e te diz, espantado — ou, melhor, fingindo espanto:
— Ô, cara, vi o livrão dos Cem Melhores Escritores de Curitiba. Saiu. Cara, não tem texto teu?! Cê não mandou? Não te pediram? Cara, você é dos bons.
— Não, nem sabia!
— Cara, pensei que você soubesse. Tem texto meu lá. Um livrão — só gente boa. Dez mil exemplares. Me deram dez. Você tinha que estar nessa.

Rui Werneck de Capistrano é escritor nas horas vagas — que são todas.

21|8|2010

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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