15 pontos nos IIs (Paulo Leminski)

kamiquase-121. O Catatau é a história de uma espera. O personagem (Cartésio) espera um explicador (Artiscewski). Espera redundância. O leitor espera uma explicação. Espera redundância, tal como o personagem (isomorfismo leitor/personagem). Mas só recebe informações novas. Tal como Cartésio.

2. A espera de Descartes/Cartésio é uma espera cibernética.
A melhor definição para “informação”: expectativa frustada. Toda informação nova vem deuma “expectativa frustrada”. O Catatau é uma imagem ampliada dessa noção.

3. Cartésio espera Artiscewsky. O leitor também tem uma espera. Uma expectativa. O que ele— antes de ler — já sabe da mensagem. Ou crê saber.Informação é expectativa frustrada. No Catatau, a expectativa é sempre frustrada. O leitor jamais sabe o que deve esperar: rompe-sea lógica e as passagens de frase para frase são regidas por leis outras que não as normas da sintaxediscursiva “normal”. Existe literalmente um abismo de frase para frase, abismo esse que o leitor deve transpor como puder (como na TV, entre ponto e ponto). Mesmo quando um segmento cobra continuidade (parece fazer sentido), é apenas para contrastar com o efeito contrário, que sucede sempre.Dentro do Catatau, o leitor perde a mania de procurar coisas claras. Então, aquelas que são claras por si mesmas tornam-se escuras no seu entendimento.

4. Se disserem que a expectativa permanente no Catatau acaba por se tornar um estado monótono(caógeno), digo que pretendi realizar um dos postulados básicos da cibernética: a informação absoluta coincide com a redundância absoluta. O Catatau procura gerar a informação absoluta, de frase para frase, de palavra para palavra: o inesperado é sua norma máxima. A seqüência das frases de um texto coloca uma lógica. Mas nessa busca da informação absoluta, sempre novidade, novidade sempre, por uma reversãode expectativa, ele produz a informação nula: a redundância. Se você sabe só vem novidade, novidades vêm, e deixa de ser novidade. O Catatau é, ao mesmo tempo, o texto mais informativo e, por isso mesmo, o texto de maior redundância. 0 = 0. Tese de base da Teoria da Informação. A informação máxima coincide com aredundância máxima. O Catatau não diz isso. Ele é, exatamente, isso.

5. Catatau (aparentemente) é uma “narrativa” em “primeira pessoa”. É uma ego-trip. A narrativa na primeira pessoa é a mais econômica. Eu. Reduz a multiplicidade do universo ao âmbito de um ego só. Economia de um quadro de Mondrian.

6. Catatau procura captar, ao vivo, o processo da língua portuguesa operando. E mostrar como,no interior da lógica todo-poderosa, esconde-se uma inautenticidade: a lógica não é limpa, como pretende a Europa, desde Aristóteles. A lógica deles, aqui, é uma farsa, uma impostura. O Catatau quer lançar bases de lógica nova.

7. Para o europeu, o Brasil soava absurdo, absurdo que era preciso exorcizar a golpes de lógica, tecnologia, mitologia, repressões.
7.1 O ritmo, não o metro. O Catatau registra direções, não assunto. Oftalmografa a passagemdas distâncias nas células fotoelétricas das afinidades eletivas; regula a articulação das partículas atéestas se descontrolarem, gerando leis de crescente complexidade, que já emergem precipitandonovas catástrofes de signos. Por isso, atenção flutuante nas ex-abruptas passagens do sentido para o nonsense, do suspense para o pressentimento.

8. Ao Catatau, dois movimentos o animam: um, documental, centrífugo, extroverso, se dirige para uma realidade extratextual precisa (referente), com toda a parafernália de marcação duma ambiência física, geográfica, histórica e portanto épica; o outro movimento, estético por contraste (sístole cardíaca do Catatau), chega às raias subterrâneas e canais atávicos da linguagem e do pensamento. O significado (semântica) do Catatau é a temperatura resultante da abrasão entre esses 2 impulsos: a eterna inadequação dos instrumentais consagrados, face à irrupção de realidades inéditas.

9. O Catatau é um caso textual de “possessão diabólica”: um texto “clássico” é possuído (possesso) por um monstro “de vanguarda”, que é o próprio catatau, chamado também de “Occam”, um princípio de perturbação da ordem, um agente subversivo, uma estática: o monstro é a personificação (prosopopéia) do conceito cibernético de ruído. As aparições do monstro fazem o texto voltar-se para si mesmo: o monstro é centrípeto. Ele denuncia o código em que a mensagem está sendo registrada.

10. Catatau é um texto em mutação: um mutante.

11. Na palavra “catatau”, animal e texto são sinônimos.

12. Catatau & psicopatologia. O ilusionismo solipsista (ego-trip) do personagem-Cartésio é o fiel retrato, em termos de realismo, do estado de espírito do colonizado, um homem fragmentado, desconexo, perplexo, atônito: alienado. Um dos fenômenos mais típicos do “delirium tremens”, alcoólico é a zoopsia, alucinação com animais repugnantes: cobras, ratos, lagartos. E de zoopsia que Cartésio sofre no parque, vendo todos aqueles bichos absurdos. O parque de Nassau é um lugar mental. Todo o texto é um parque de palavras, sentenças, períodos. O Catatau é um parque de locuções populares, idiotismos da língua portuguesa, estrangeirismos. Seu polilingüismo é o reflexo do polilingüismo do Brasil de então onde se praticavam as línguasmais desencontradas: o tupinambá da Costa e centenas de idiomas gês/tapuias, dialetos afros, português, espanhol e, em Vrijburg, cosmopolita, holandês, alemão, flamengo, francês, iídiche e até hebraico. Outro fenômeno psicopatológico transformado em recurso de base é o mentismo. Em psiquiatria, chama-se de mentismo um pensamento que vem por si, uma idéia fixa que vai e volta, contra o paciente, atingindo exatamente os pontos mais delicados de suas neuroses e psicoses. Mentismo ocorre sempre quando o personagem do Descartes/ Cartésio recusa, repele ou nega um pensamento que acaba de ter. Ele sempre atribuiu esses mentismos a um efeito do clima ou da erva que fuma. É a presença de um corpo estranho no pensamento organizado de Descartes. Por isso, Descartes/Cartésio é o “heauntontimorúmenos” = “o atormentador de si mesmo”, nome de uma peça de Terêncio.

13. Catatau é um texto colocado sob o signo da Ótica, Descartes sendo um dos pais da Ótica como disciplina científica, parte da Física. Está cheio de anomalias óticas: refrações, difrações, desvios, que incidem sobre as palavras, as sentenças, a linguagem e a lógica.

14. O bestiário. A bicharada, com que começa o Catatau, emblematiza o pasmo do europeu (esse desbestificado), pasmo esse, choque e pânico que os antigos tinham na conta de fonte dofilosofar (até para Aristóteles, o exercício da reflexão começava por um “thaumazein” | “espantar-se”). Ante esses animais, a lógica de Descartes vai para o brejo. Cada fera daquelas (tamanduás,jibóias, preguiças) estropiava uma lei de Aristóteles, invalidava uma fórmula de Plínio ou de Isidorode Sevilha. (p. 1-2) Ver bichos através/atrás de vidros, o longe crítico.

15. Mensagem afetada de elevado coeficiente de ininteligibilidade, legibilidade no Catatau está distribuída de maneira irregular.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em 15 pontos nos IIs (Paulo Leminski) e marcada com a tag . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.