Monólogo à dez pra dez

Pegue um destes pensamentos feitos de livros cheios de frases e maneje com cuidado até sair sangue. Torture cada palavra, cada letra, cada entreletra. E ria nas entrelinhas. Tipo assim: ‘Nenhuma lei é boa se não for baseada nas leis da natureza.’ Do famosíssimo sei-lá-quem-é Bernardin de Saint-Pierre. Quais são as leis da natureza? Tudo o que sobe, cai? É uma. Faça-se uma lei baseada nessa premissa que Newton tirou do ostracismo e colocou na mó moda.

Quem é a natureza pra ir fazendo leis assim como se fosse um todo-poderoso presidente do Brasil? Que, se não faz lei, faz Emenda Constitucional ou Ato Institucional ou um troço qualquer tipo Medida Provisória (que fica pra sempre). Revoguem-se as disposições em contrário e teremos a natureza querendo ‘se achar’. Diria que tudo o que sobe, cai… se subir até uma certa altura. Se passar da força de atração da Terra, a poderosa força gravitacional, não volta. Vai cair lá no raio que os parta.

Aliás, o que é cair? Cair é coisa de quem pensa pequeno. O espaço sideral, na verdade, não tem fundo, alto, lado. É tudo uma coisa muito estranha, cheia de sem fundo, sem alto, nem baixo ou lado. E o que a natureza faz ali? Passeia com seu poodle? Carrega saquinho pra catar o cocozinho? A natureza está mais perdida que garimpeiro em reserva indígena. Daí vem Schiller, um alemão tão antigo quanto garrucha de dois canos, e escreve: ‘Os votos deveriam ser pesados, não contados.’ Certo, certíssimo. Tem político que ia fazer cédula de isopor com chumbo escondido dentro. Claro, não ia fazer direto de chumbo. Afinal, político tem que manter a aparência de honestidade, dignidade, pureza de intenções. O peso maior, acredito, seria o da consciência. Que tiraria voto de muitos candidatos: cadê a consciência dos eleitores? Sou pessimista demais quanto ao passado. Acho que ele não vai mudar nunca. Não tem nenhuma chance de adquirir novos conhecimentos, oxigenar o cérebro, ver filhotinho de corruíra, criar hábitos mais contemporâneos. Pra mim, o passado não tem solução.

Tá mortinho. É um alienado de primeiro, segundo e terceiro graus. Pense bem: digamos que o mundo começou com o Big Bang. Um punhado de matéria menor do que um punho de bebê, de repente, desagregou e saiu pra todo lado, igual gente de passeata quando a polícia desce o cassetete. Bem, tudo muito lindo! Mas, onde é que estava esse punhado de matéria? Já existia um lugar (espaço) pra ele estar. Podia ser um shopping center, um posto de gasolina 24 Horas. Mas tinha que ter um lugar pra matéria estar. É ou Noé? Isso intriga tanto quanto pensar que as televisões reprisam vinte vezes um filme, sempre dizendo que é inédito.

Aí, pra finalizar, vem Napoleão falando que ‘a arte de ser alternadamente audacioso e prudente, é a arte de ter êxito.’ Tipo fez-que-foi-e-não-foi-e-acabou-fondo. Bem nessa hora chegou o doutor Pinel, se fazendo de audacioso e prudente, alternadamente, e levou Napoleão pra tomar um choquinho elétrico – corrente alternada: prudente e audaciosa. E eu, aqui, disputando queda de braço com o toca-disco.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em rui werneck de capistrano e marcada com a tag , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Uma resposta a Monólogo à dez pra dez

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.