A última nuvem para as estrelas

Havia todas. E havia a Avi. Adorava ouvir jazz no Original. Ficávamos horas bebendo Jack Daniels, jogando conversa fora madrugadas à dentro e, às vezes, quando a Anna aparecia, ouvindo a Anna Toledo cantar. Eu, Avi e o pessoal que ela trazia do Rio. A Mariella Gould, Danny & Marcia Assayag, o Pimba Godoy. Avi e sua galeria de anjos proscritos.

Certa vez, ali mesmo no Original, chorou compulsivamente durante um show da Badi Assad. Ninguém que a conhecesse um pouco estranhava aquilo. Ela tinha esse lance de chorar de emoção. Assim do nada, deixava escorrer lágrimas diante de quadros e esculturas, casas bem projetadas, logotipos, automóveis antigos.

Aqui em casa, mesmo sem ter visto o filme, chorou diante de um pôster de ‘Rastros de ódio’ só porque viu nele um autógrafo original de John Wayne que eu colara tempos antes. Coloquei o DVD na caixa e ela abriu um berreiro.

Chorava de amor. Vivia emoção em estado puro.

O fato é que, de repente, Avi começou a sumir. Delicadamente. Docemente, como era seu jeito. Foi desaparecendo de exposições, das festas, dos bares. De Curitiba. Do mundo.

Um dia, sumiu e demorou a voltar. Cruzar com ela foi se tornando raro. Fui reencontrá-la, diagnosticada portadora de um câncer no sistema linfático em estágio terminal, no New York Hospital, a poucos dias do Natal.

– Almir, olhe para fora. Escolha a menor nuvem que houver.
– Ok, Avi. Escolhi.
– É a minha nuvem. Ela é que irá me levar.

Quatro dias depois, a 25 de dezembro, pegou a última nuvem para as estrelas e, chorando diante de tanta beleza que se anunciava, virou uma luz no firmamento.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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