A decisão infeliz do juiz Moro

Carlos Fernando dos Santos Lima acha que a ida de Sérgio Moro para o governo contaminou a Lava Jato. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ex-procurador da República afirma que, quando o ex-juiz aceitou o convite para assumir o Ministério da Justiça, manifestou a ele a sua dúvida sobre o acerto da decisão. E revela que, “num certo momento, ela [decisão de Moro] custou muito caro para a Lava Jato, como movimento, porque contaminou uma discussão política desnecessária”.

Estou plenamente de acordo com Santos Lima, que esteve na linha de frente da Operação Lava-Jato desde a sua origem, em 2014, e se destacou como um dos mais atuantes personagens da força-tarefa que, de Curitiba, investigou, enquadrou e levou à cadeia carradas de políticos corruptos e empresários não menos safados, em fato absolutamente inédito na vida nacional. Aposentou-se em 2018, com a consciência do dever cumprido, o que continua sendo raro entre os integrantes da administração pública deste país. Passará a agir do outro lado do balcão, como advogado, sem atuação na área criminal, “para não desdizer o que sempre disse” e não ofender o seu passado.

Sérgio Moro era a alma da Lava-Jato. Ainda que o principal do trabalho já tivesse sido feito, ainda havia (como há) muito por fazer, e a retirada do juiz afetou a Operação – como confirma Carlos Fernando.

Moro jamais deveria ter abandonado uma vitoriosa carreira de 22 anos na magistratura. Hoje, com certeza, arrepende-se amargamente da decisão. Foi ingênuo – o que é inadmissível para um profissional da sua envergadura, com a história que tinha (e tem). Imaginou que, no centro do poder em Brasília, poderia dar mais no combate à corrupção e ao aperfeiçoamento da máquina estatal. Errou feio. Fechado em seu gabinete de trabalho, pareceu não conhecer a realidade político-administrativa nacional reinante aqui fora. Achou que poderia confiar nas promessas do novo mandatário e na ajuda dos nobres parlamentares que infestam a Câmara de Deputados e o Senado Federal.

Sérgio Moro deveria saber que não há inocentes em Brasília e que a capital federal não comporta ingenuidade. Desde o início, sentiu a falta de apoio, a oposição a suas ideias inovadoras e a reação a quaisquer medidas moralizantes. Era um estranho no ninho. Fora escolhido apenas para dar ares de decência ao governo que se instalava.

No cerrado brasiliense, o negócio é deixar como está. Ou piorar para melhorar. É tudo uma farsa, um “me engana que eu gosto”. Quando Moro descobriu isso, era tarde demais. Provou o gosto de fel dos gabinetes palacianos e o odor putrefato que circula pelos corredores do poder. Prova disso foi a sua expressão de contrariedade e desconforto na fatídica reunião ministerial de 22 de abril. Tanto que se retirou antes do término.

Sabe quando as suas revelações serão levadas avante e tomadas as devidas providências, excelência? Nunca. Com esse atual procurador-geral da República, capacho e bajulador do Planalto, e com esse Congresso Nacional, que ladram mas não mordem, não há esperança no horizonte.

E aí evoque-se novamente, como fecho de papo, o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, referindo-se ao pretenso ditador do Planalto Central:
– Para mim, ele já cometeu crimes de responsabilidade muito maiores e mais greves que a Dilma.

Carlos Fernando sabe o que diz.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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