A entrevista de Simone de Beauvoir e outras histórias de Sebastião – final

Terminado o curso, do qual Sebastião saiu com os títulos de diretor e roteirista, começou o drama. Sebastião queria trazer a francesinha e o filho para o Brasil. Ela dizia que não saía de Paris por nada neste mundo. Em desespero, Sebastião foi na sucursal da Manchete em Paris e levou dezenas de revistas para o hotel xexelento. Mostrou Copacabana, o carnaval, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, a pujança de São Paulo, as cataratas de Foz de Iguaçu, o pelourinho, os canais do Recife, o Teatro Municipal, o Teatro de Manaus. A francesinha via as fotos dizia que eram magníficas, mas não arredava o pé. Não saía de Paris e ponto final. No máximo, nas férias anuais, revezariam. Num ano, ela iria ao Rio com o pimpolho, e no outro, Sebastião viria a Paris.

Não teve jeito e Sebastião embarcou no Charles de Gaulle sozinho. Quando bebia, ele mostrava a foto da francesinha e do piá. O guri era bonitinho, como todo bebê e a francesinha, não falei nada pro Sebastião, achei que era muita areia pro caminhãozinho dele.

Quando veio morar em Curitiba, o Sebastiãozinho já tinha uns 30 anos. Durante todo o período, haviam se visto só três vezes. A última há dez anos. Trocavam cartas e quando a saudade batia forte, Sebastião fazia uma ligação internacional, que custava os olhos da cara, e ficava vários minutos falando com o filho. Nessa altura, a francesinha já havia casado com outro, mas sempre dizia pro filho que seu pai era um jornalista e cineasta brasileiro.

Belo dia, Sebastião recebeu uma carta com o convite de casamento do filho. No convite, aparecia seu nome como pai. Sebastião chorou por dias seguidos. Resolveu que não faltaria às bodas. Lembrou que um velho colega do JB era assessor de imprensa da Air France e lhe telefonou. Expôs a situação e o amigo disse que iria ver o que conseguia. Dois dias depois, o colega ligou e disse que tinha conseguido a passagem grátis. Mas havia um detalhe: se vendessem todos os lugares do voo, o Sebastião teria que esperar pelo outro dia. Se todas as passagens fossem vendidas, iria aguardar até o dia em que vagasse uma poltrona. Sebastião fez os cálculos e percebeu que teria de embarcar, no mínimo, uma semana antes das bodas para tentar garantir o lugar. Fez outros cálculos e constatou que precisaria de 500 dólares para passar uma semana, dez dias em Paris. Foi ao banco e viu que suas economias dariam para comprar, no máximo 100 dólares. Entrou em crise existencial. Ficamos sabendo da história e organizamos uma vaquinha. Arrecadamos 280 dólares e demos pro Sebastião. Faltavam 120. O Dotti ficou sabendo da história e condoído me entregou duas notas de cem dólares, pedindo para que eu não dissesse nada ao Sebastião.

Sebastião embarcaria, se tudo desse certo, num sábado. A Air France não conseguiu lotar o voo e o Sebastião entrou no avião. Antes do embarque ligou para todo mundo. Sábado à noite, só localizou o Sale Wolokita em casa. No domingo, o Sale avisou toda a turma. De terno novo, com direito a cravo na lapela, Sebastião participou das bodas no civil e no religioso. Foi na festa e se divertiu como um pai se diverte quando casa um filho.

Na volta, segunda-feira depois do casamento, o avião da Air France para o Rio estava lotado. Ficou dois dias no Charles de Gaulle dando uma de Tom Hanks em “O Terminal”. Com o dinheiro acabando, viveu 48 horas de baguette com ovo, queijo e presunto. Voltou, enfim, para Curitiba.

Na volta de Paris, Sebastião alugou um outro apartamento na Nossa Senhora de Copacabana. Ficou no JB e nas horas vagas escrevia roteiros de documentários que sonhava dirigir. Quando o Alberto Dines foi demitido do JB, no início de 1974, Sebastião não gostou do novo diretor e, ainda por cima, o editor do caderno B foi promovido. Pediu demissão do jornal e se dedicou full time ao cinema. Dirigiu vários documentários, todos com sucesso de crítica, mas com fracasso de público. Um dia, o dinheiro acabou e o Sebastião foi parar na Embrafilme. Era analista de roteiros quando bateu a saudade de Curitiba e veio falar com o René.

Terminada a gestão do René Dotti, eu voltei para a Procuradoria Geral do Estado e o Sebastião para a Embrafilme. Nunca mais revi o Sebastião. Um dia, anos depois, fui ao Rio e passei na Embrafilme para encontrar o Sebastião. O porteiro me disse que o “Curitiba” havia se aposentado. Sugeriu que eu fosse no departamento pessoal, podia ser que tivessem o endereço. Fui lá e uma atendente muito simpática achou a ficha do Sebastião. O endereço era Nossa Senhora de Copacabana, número tal, apartamento tal. Peguei um táxi e me mandei pro endereço. Como não havia porteiro no prédio, fui entrando, subindo umas escadas e achei o apartamento. Apertei a campainha e atendeu uma senhora muito elegante e bonita. Pensei com os meus botões, o Sebastião casou de novo. Não era nada disso. Morava no apartamento há dois anos e pelo que lembrava, o antigo morador tinha ido morar em Santa Tereza.

Meses antes de morrer, o Aramis Millarch promoveu na Cinemateca, num sábado à tarde, uma mostra com meia dúzia de documentários do Sebastião França. Sebastião não veio, tinha pego a pneumonia que não havia tido na vigília na frente do apartamento do Beckett em Paris, em pleno verão no Rio de Janeiro. Fez bem em não comparecer. Na plateia, o Aramis, três gatos pingados e eu. O filme mais marcante foi o “Beco 23”. Contava a história do Beco da Fome, em Copacabana, onde haviam uns 10 Pés Sujos. O Beco da Fome seria demolido para dar lugar a um prédio residencial de vários andares. Sebastião entrevistou inúmeros frequentadores, garçons, cozinheiras e os donos dos estabelecimentos. Um filme tocante e emocionante.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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