A falsa boa ideia

Algumas ideias, quando nos ocorrem, parecem boas. Mas só parecem

Rita Lee contou certa vez que, um dia, em Londres, viu-se diante da porta da sala de John Lennon no prédio da Apple, a corporação que geria os negócios dos Beatles. Emocionada, não vacilou: lambeu a maçaneta da porta sagrada. Era o mais perto que podia chegar de um membro de John —no caso, os dedos que ele usava para abrir a maçaneta. Não lhe ocorreu que John Lennon não abria portas —todo mundo fazia aquilo por ele. Donde Rita lambeu a maçaneta em vão. Na hora, parecia uma boa ideia. Mas era uma falsa boa ideia.

Outra aparente boa ideia foi a do artista Alfredo Volpi, de pintar uma série de bandeirinhas usando gema de ovo. O resultado ficou deslumbrante. Ele só não contava com que, tempos depois, o ovo usado na tela atraísse certos insetos cascudos apreciadores da dita gema, os quais comeram suas bandeirinhas. Outra falsa boa ideia.

O compositor Ronaldo Bôscoli, então noivo de Nara Leão, resolveu namorar secretamente Maysa, a fim de atrair a cantora para a bossa nova. Também parecia uma boa ideia. Maysa gravou “O Barquinho”, dele e de Roberto Menescal, e empolgou-se com a bossa nova. Mas empolgou-se também com ele e, para terror de Bôscoli, anunciou à imprensa que iriam se casar. Imagine o choque de Nara ao ler no jornal que seu noivo estava noivo de Maysa. Nara rompeu o noivado, abandonou a bossa nova e se juntou à música de protesto. Ali Bôscoli descobriu a falsa boa ideia.

Eu também já cometi várias no gênero. Uma delas, nos anos 70, foi a de escrever um romance. Até aí, tudo bem. Só que tive a ideia de escrever a história ao contrário —como um filme que rodasse de trás para frente. Escrevi 60 páginas e pedi a um amigo, o romancista Marcos Santarrita, que lesse e me desse sua opinião. Ele fez isto e foi franco: “É a pior coisa que já li”. 

Reli o material. Concordei com ele e joguei tudo fora. Era uma falsa boa ideia.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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