A falta que faz um líder como Ulysses no país desgovernado

No começo de 1983, quando o governo do general João Figueiredo já estava caindo pelas tabelas e a ditadura agonizava, um jovem deputado do PMDB de Mato Grosso, Dante de Oliveira, em primeiro mandato, apresentou projeto de emenda constitucional para restabelecer as eleições diretas para presidente.

Ninguém lhe deu bola, acharam que era apenas mais um maluco querendo aparecer, os caciques do partido desdenharam da proposta.

Só um lhe deu atenção, e foi o primeiro a assinar a emenda que ganhou o nome de Dante: Ulysses Guimarães, o presidente do PMDB.

Ulysses via ali uma bandeira na luta para restabelecer a democracia no país, golpeada 20 anos antes.

Teve que convencer primeiro seu próprio partido, dividido entre “autênticos” e “moderados”, no grande saco de gatos da oposição consentida pela ditadura.

Com seu jeitão de Dom Quixote, o já então veterano político paulista foi em frente, e logo ganhou a companhia de Lula, do recém-criado PT, de Leonel Brizola, do PDT, de volta do exílio tentando ressuscitar o trabalhismo, e de lideranças expressivas da sociedade civil.

Agora que a democracia está novamente ameaçada em nosso país, faltam uma bandeira e um líder como Ulysses, capaz de reunir as oposições numa frente ampla.

Já não temos interlocutores representativos e lideranças da sociedade civil como as daquela época, em que se destacavam Raymundo Faro, no campo da Justiça; Fernando Henrique Cardoso, na academia; D. Paulo Evaristo Arns, na igreja católica; Barbosa Lima Sobrinho, na imprensa, e uma penca de artistas de todas as áreas engajados na luta comum.

Sumiram os artistas, os grandes juristas, os intelectuais, os líderes estudantis, religiosos, sindicais e empresariais, que deram sustentação à cruzada comandada por Ulysses para despertar o povo nos grandes comícios das Diretas Já.

As referências que temos hoje na sociedade civil ainda são daquele tempo: Janio de Freitas, na imprensa, e José Carlos Dias na defesa dos Direitos Humanos.

Os principais partidos políticos foram dizimados pela Lava Jato, dando lugar à geléia geral do baixo clero do Centrão, de onde saiu Bolsonaro, e agora é a tábua de salvação do governo.

Em lugar dos bispos da CNBB, agora os grandes líderes religiosos atendem pelos nomes de Edir Macedo e Silas Malafaia, os neopentecostais que ajudaram a eleger o capitão e lhe dão sustentação nas suas igrejas.

Quem representa os industriais é Paulo Skaf, que não tem indústria, mas virou dono da Fiesp e dos patos amarelos, outra base de apoio de Bolsonaro.

O mercado financeiro não tem representante porque já conta com Paulo Guedes no Ministério da Economia para implantar o projeto neoliberal do século passado.

E onde fica a oposição?

Lula está na muda e virou uma esfinge depois que saiu da prisão, tentando juntar os cacos do PT, que ainda gira em torno dele e está cada vez mais isolado.

Ciro Gomes virou um franco-atirador que alveja mais o PT do que o governo e está em busca de um personagem para representar na próxima eleição.

Boulos e o seu PSOL estão mais voltados para as questões internas do que dispostos a sair do gueto em que se meteram.

Marina sumiu do mapa outra vez.

Como escrevi ontem, o fato novo na oposição vem dos jovens governadores do Nordeste, que se uniram num consórcio dos 9 estados, e começam a ganhar projeção nacional, batendo recordes de aprovação, mesmo com a carência de recursos.

Diante desse cenário, tenho pensado muito ultimamente no dr. Ulysses e na falta que faz um líder como ele, capaz de articular os diferentes, em nome de uma causa maior.

Na Constituinte, ele passava horas sem levantar da cadeira de presidente nem para ir ao banheiro para evitar qualquer surpresa.

Cevado nas negociações de bastidores do Parlamento, ele se viu de uma hora para outra transformado num palanqueiro de primeira na campanha das Diretas Já.

“Esta é a recompensa máxima da minha vida pública”, disse-me esse senhor calvo, ereto aos 67 anos, ao ser aplaudido de pé, após o discurso em defesa da aprovação das eleições diretas, em 1984.

A caminho das galerias da Câmara, lembramos de um episódio em que um matuto, após comício de Ulysses do Crato, interior do Ceará, o abordou quando deixava o palanque:

“O senhor me desculpe, mas com o perdão da palavra, vai falar bem assim na puta que o pariu…”.

Ulysses era o homem e suas circunstâncias, como ele gostava de dizer.

Espero que as novas lideranças se mirem no exemplo dele e criem as circunstâncias para sairmos desse mato sem cachorro. Vida que segue.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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