A indignação dos injustiçados

Os nobres deputados da ínclita Assembleia Legislativa do Paraná estão indignados com a RPC – Rede Paranaense de Comunicação, braço paranaense da Rede Globo de Televisão. E o que teria feito o pessoal da RPC para indignar suas excelências? Ora, teve o desplante de informar o distinto público que os eminentes parlamentares estavam recebendo verba de alimentação – paga, claro, com o nosso dinheiro –, ainda que morem e desempenhem suas funções nesta Capital.

Quer dizer, a rapaziada do jornalismo da RPC exerceu a sua atividade e cumpriu o seu dever, noticiando o que está sendo feito com o dinheiro do contribuinte, e isso melindrou os representantes da patuleia?!

Onze dos dignos deputados, incluindo o presidente “da Casa” – como gostam de sublinhar –, manifestaram o seu “repúdio”, taxando a cobertura da RPC/Globo de “sensacionalista e tendenciosa”. E elegeram o deputado Homero Marchese como traidor da classe por estar subsidiando a escandalosa emissora.

O primeiro-secretário – o plurivalente Luiz Carlos Romanelli, que já serviu Requião, Beto Richa e Ratinho Jr. – desceu do pedestal e subiu à tribuna não apenas para criticar a cobertura da Globo, mas também acusar Marchese de autopromoção, “enxovalhando os colegas”, ao tentar dar substância à “matéria tendenciosa da RPC”. Teve o imediato apoio de próceres como os deputados Do Carmo, Hussein Bakri, Galo, Douglas Fabrício, Mauro Moraes, Anibelli Neto, Michele Caputo e Soldado Fruet – da nata parlamentar.

Ninguém, no entanto, foi capaz de desmentir o pagamento e o recebimento do mino. O presidente do Legislativo, Ademar Traiano, garante que o benefício é permitido no Regimento Interno “da Casa”, mesmo que o parlamentar resida na cidade em que o gasto foi realizado, e teoriza sobre o direito ao pagamento de diárias. É incapaz de atentar, porém, que a diária, no serviço público, é definida como uma modalidade de indenização, que pode ser recebida pelo servidor (agente político é servidor público?) em pecúnia, quando se deslocar a serviço e de forma eventual, do local de exercício de sua atividade para outra localidade. Não parece ser o caso.

Tanto é que o Ministério Público entrou em campo para exigir regras mais rígidas e transparentes para o benefício. A Mesa Executiva da Assembleia formulou um projeto de resolução com o propósito de atender a recomendação da Procuradoria da Justiça. Mas os novos controles, ao que tudo indica, não são suficientemente rigorosos – e foi isso que disse a RPC, fazendo com que os nobres deputados sentissem-se injustiçados.

Com todo o respeito a tão augustas figuras, a RPCTV não foi tendenciosa e muito menos sensacionalista. Foi, se me permitem os coleguinhas do Alto das Mercês, incompleta. Fez o trabalho pela metade. A reportagem deveria ter arrolado todo o festival de verbas que os nossos prendados legisladores recebem a título de remuneração mensal, além do salário (em torno de R$ 29 mil), como gastos com funcionários comissionados de gabinete e cotas parlamentares para despesas com correio, passagens, consultorias, gráfica, locação de veículos, restaurantes, etc. A coisa passa de 100 pilas, rigorosamente repassados mensalmente pelo erário a suas excelências. É de se verificar se lá não tem também aquele auxílio-moradia difundido pelo Judiciário e estendido ao colendo Tribunal de Contas.

É certo que há quem ache isso tudo pouco. O deputado Luiz Carlos Martins, por exemplo – lembram-se dele? –, veio a público, outro dia, para reclamar do salário que passou a ganhar como parlamentar. Argumentou que não paga “metade de um carro popular”. Ele, que, além de deputado, é empresário no ramo da comunicação e está em seu sétimo mandato na Assembleia, garante que, antigamente, ia a uma concessionária e comprava um carro zero da melhor qualidade.

Não é de dar dó?

Ademais, além de a afiliada RPCTV fustigar os desafortunados deputados, a matriz carioca revelou, ontem, no principal jornal da rede, a existência no país de mais de 13,5 milhões de brasileiros vivendo na pobreza absoluta, com rendimento mensal que não passa de R$ 300…

Em vez de reclamar, chorem, excelências! Isso lhes fará bem.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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