À informalidade e à sonegação, irmãos!

Não tem jeito! Este país não é sério. Ou melhor: não foi feito para gente séria. Vejam vocês: em uma vida setuagenária, sempre procurei proceder nos conformes, agindo dignamente e cumprindo os meus deveres. Sempre paguei corretamente os impostos municipais, estaduais e federais – até porque ai de mim se não o fizesse! Integrei a administração pública e – pasmem! – nunca me locupletei com um mísero centavo que não fosse de direito. E não vi nenhuma virtude nisso – era apenas a minha obrigação. Depois, andei fazendo um estágio de dez anos na advocacia e – juro por Deus! – jamais defendi um canalha de profissão ou um desses patifes que se valem da miséria humana para enriquecer ou se servem das úberes da Nação para alçar-se na vida e fermentar contas bancárias enquanto milhares de crianças ficam sem escola e milhares de velhos morrem nas filas do SUS. E depois se valem de um operador do Direito e/ou das brechas da lei para continuar lépidos e faceiros. Jamais teria como cliente um dos atuais inquilinos daquele albergue estrelado de Santa Cândida.

“Por isso que é pobre”, retorquiria um provocador. E eu responderia: “Graças a Deus!” Melhor se sairia o maledicente se tivesse dito: “Advogado incompetente, desconhecedor da lei”. Aí eu seria obrigado a concordar. Por exemplo: sabia que tinha a União Federal entre os meus dependentes, mas o Estado não.

Explico: eu quis desonerar um pouco a vida financeira de meu filho e decidi contribuir com o pagamento das mensalidades escolares de um de meus netos. Coisa comum a todos os avós. E atento às regras, particularmente no tocante ao ajuste anual do IR, fiz constar da minha declaração a doação feita a meu filho e, da declaração dele, a doação recebida. Pior para nós dois. O que se propunha ser um simples auxílio familiar de pequena monta, mas de alta significação, até emotiva, para as partes envolvidas, sem nenhuma vantagem pecuniária a ninguém, deu origem a notificações expedidas pela vigilante e eficaz Fazenda Estadual do sr. Mauro Ricardo Costa.

Valendo-se de um tal Convênio de Cooperação Técnica firmado com a Receita Federal do Brasil, a diligente Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná “convidou-me” a proceder a “autorregularização, prevista na Lei nº 17.605, de 20 de junho de 2013 e disciplinada por meio da instrução SEFA/ITCMD nº 10/2013, efetuando o recolhimento do ITCMD espontaneamente até 31/08/2015, sem multa e com os benefícios de redução de 60% dos juros estabelecido na Lei nº 18.468/2015 (o destaque é da notificação, eufemisticamente chamada de “Comunicado”), utilizando a Guia de Recolhimento do Estado do Paraná – GR-PR anexa”. E isso referentemente aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 – logo chegará a de 2014, com certeza.

Aí eu fiquei sabendo também que uma lei estadual, a de nº 8.927/1988, estatuiu a incidência de um tal ITCMD nos casos de doação – a ser pago pelo beneficiário, com a solidariedade do doador. ITCMD quer dizer, para quem não sabe, Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações. Coisa de louco!

Confesso que tudo isso me irritou muito. Tive muita raiva de mim mesmo. Da minha correção como pessoa e como profissional ao longo da longa vida. De ser um obstinado cumpridor de obrigações. E, sobretudo, do fato absurdo de que uma simples ajuda financeira doméstica possa me obrigar a contribuir com um governo que não merece a minha consideração nem o meu respeito e, muito menos, a minha contribuição financeira. Ainda não sei se quitarei a “autorregularização”. Talvez ser inscrito na dívida ativa do Estado por um governo desse jaez seja uma honra.

Andei pensando em recorrer àquele primo distante de Charles Albert, aquele que chefiava a gangue da mesma Receita Estadual que ora me notifica e que, num passe de mágica e mediante módica contribuição fazia desaparecer autuações de elevada monta. Mas desisti, já que a minha dívida é uma mixaria perto das constantes dos processos que a turma do “brimo” costumava consumir. E aí a raiva aumentou: nem para entrar para o mundo da safadeza tenho qualificação. Não passo de um “pé-de-chinelo”.

Mas uma lição eu aprendi e a ensino à plateia, com a certeza de que vou segui-la religiosamente: quando fizer um favor, principalmente envolvendo valores, não conte. Muito menos ao governo.

céliodois

Blog do Zé Beto

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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