A intolerância e o racismo religioso

Recentemente, em Curitiba, dois centros de Umbanda foram, criminosamente, incendiados. Algo jamais visto na recente história brasileira. Curitiba e Salvador são os principais alvos, em face do grande número de adeptos das religiões brasileiras.

Alastram-se no Brasil casos de intolerância e racismo religioso contra a Umbanda, o Candomblé, o Espiritismo e a Igreja Católica. O famoso padre Marcelo Rossi sofreu atentado que poderia ter-lhe custado a vida, em 14 de julho de 2019.

Alguns segmentos intitulam-se de “os novos evangélicos” que pregam, abertamente, a propagação da intolerância e o combate contra as religiões que cultuam imagens, espíritos e qualquer outra forma de venerar o divino, diferente deles próprios. É uma face recente da pregação do ódio, da intolerância, do fanatismo e do racismo religioso.

Afirmam, vez por outra, que ninguém presta, salvo os praticantes das suas seitas que pregam o enriquecimento pela adoração de Deus e claro, a obrigatória contribuição financeira e patrimonial aos seus representantes e a intolerância. O Estado deixa de lhes cobrar impostos e uma forte bancada congressual avança com privilégios e favores legais.

Tudo dentro da lei? Evidente que não.

A distribuição de concessões de emissoras de rádios e redes de televisões, incentivada pelas crescentes bancadas político-religiosas no Congresso Nacional, nas Assembleias Estaduais e das Câmaras Municipais e prefeituras constroem juntas, o novo Estado Teocrático Brasileiro.

A liberdade religiosa e a liberdade de pensamento estão concretamente ameaçadas. Um Presidente que se elegeu com o apoio desses setores religiosos prega abertamente o ódio, por meio da pena de morte, do apoio à tortura e os desaparecimentos ocorridos nos governos ditatoriais recentes, a aberta omissão quanto à destruição da Amazônia, da previdência, ao extermínio dos índios, à venda das estatais super lucrativas, Embraer, Eletrobrás, Petrobrás, Caixa e Banco do Brasil, e das riquezas brasileiras, pré sal e jazidas minerais, tudo com as benções desses grupos que se assenhoraram dos poderes e da mídia no Brasil.

Em resumo, caminhamos, rapidamente, para o totalitarismo político e religioso e a gravíssima expansão das práticas de intolerância e racismo religioso, com flagrantes preconceitos de toda ordem, amplificados pela divulgação radiofônica, televisiva e das mídias sociais.

A disseminação do ódio contra as religiões, contudo, não é nova na história.

Aconteceu na perseguição dos Imperadores Romanos contra os cristãos que eram atirados às feras e queimados. Ocorreu na Idade Média, perseguindo médiuns e na santa inquisição que se utilizou de sofisticados instrumentos de tortura contra hereges. O nazismo que perseguiu ciganos, judeus e tantos outros grupos em campos de concentração. O fascismo italiano e o stalinismo, todos eles assassinaram milhões de pessoas inocentes que ousaram pensar diferente do estabelecido.

Desde o Brasil Colônia as religiões indígenas e africanas foram perseguidas, o politeísmo devia ser extinto em prol do monoteísmo e da religião única. Com a Proclamação da República surgiu no Brasil o direito à liberdade religiosa, por influência das Revoluções Francesa e Americana.

Recentemente no Brasil, nos séculos XX e XXI, por intolerância religiosa, prenderam o extraordinário médium Zé Arigó, chegaram a importunar o médium Dr. Edson Queiroz, o médium Valentim, o inesquecível Chico Xavier, o gigante Divaldo Franco, e ainda perseguem benzedeiras, Mães e Pais de Santo, praticantes do Espiritismo, da Umbanda brasileira, as nações do Candomblé e a Igreja Católica com a quebra de imagens, queima de templos, pichações, tentativas de homicídios e lesões corporais, perseguições a irmandades e atos de intolerância nas redes e mídias sociais de amplo alcance.

O fanatismo religioso está se alastrando em milhares de lares brasileiros, em consequência também da precarização da Educação no Brasil, o nível escolar dos brasileiros está cada vez menor diante das carências na educação pública e privada, não se ensina mais a pensar, mas somente a repetir conteúdos, sem reflexão.

O racismo religioso zomba dos Pretos Velhos, dos Caboclos, das linhas de cura do Oriente, e todas as entidades consideradas sagradas para a Umbanda. Dos Orixás do Candomblé. O sagrado Buda, Shiva, e outras entidades orientais estão na mesma senda. Muçulmanos, Judeus e Árabes correm idênticos riscos, pois afrontam o pensamento único das novas corporações financeiro-religiosas que, rapidamente, se assenhoram dos meios de comunicação, da mídia e da política. Caminham para os tribunais, em recente declaração do atual presidente, que dentre suas afirmações rotineiramente catastróficas, disse que escolherá um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal. Equivaleria se falasse terrivelmente católico, espírita ou ateu.

Nossos irmãos do Nordeste, do Norte, da América Latina também sofrem idênticos preconceitos de origem, de tonalidade de pele, do sotaque e da origem geográfica, nem se cogite dos pobres, dos idosos, dos homossexuais e das mulheres que sofrem preconceitos de toda ordem, numa sociedade cada vez mais machista e excludente.

Um Brasil em franca desagregação, sem que tenhamos autoridades que tragam paz, justiça e união neste cenário deletério.

Não são todos, é verdade, mas jamais se viu no Brasil tamanho preconceito que encobre um racismo estrutural atual proveniente, dos quase quatro séculos de escravidão no país.

A pregação da intolerância e do racismo religioso e a ideia do pensamento religioso único não podem ser admitidas no Brasil, pois a liberdade religiosa e de pensamento são direitos fundamentais em nossa Constituição.

Recentes episódios de grupos criminosos do tráfico, convertidos em “novos evangélicos”, nas comunidades carentes cariocas, expulsaram e assassinaram Pais e Mães de Santo. Este fato demonstra a onda de intolerância que se espalha pelo Brasil.

Infelizmente, as corporações Policiais, os Ministérios Públicos das esferas estaduais e federal, o Poder Judiciário, ainda não atentaram para esta progressiva e grave violência, há omissão, frouxidão e brandura nas penas imputadas. Resultado: dia-a-dia se avolumam os preconceitos contra os praticantes das religiões brasileiras.

Com efeito, o Estado deve zelar e fazer valer a liberdade religiosa, proibindo a disseminação da intolerância religiosa promovida por estes grupos, utilizando-se desde prisões com a abertura de processos criminais, a cassação das concessões de rádios e de televisão e a dissolução compulsória de agremiações intolerantes.

A liberdade de culto e de crença é um valor caro ao Brasil e ao mundo, não podemos retornar à Idade Média e a esta nova inquisição, na qual não prevalece o amor e o respeito ao próximo.

A verdade é que os evangélicos, os neopentencostais ou sejam quais forem os praticantes de quaisquer religiões, todos são irmãos e devem buscar o amor e a paz.

Lembremos da Carta da Terra, assinalada por Leonardo Boff, que prevê o dever dos estados de promover uma cultura de tolerância, da não violência e da paz.

Com efeito, a liberdade de expressão não dá direito de insultar a fé do próximo, segundo as sábias palavras do Papa Francisco. Somos todos irmãos e devemos cultuar a prática do amor ao próximo, fora deste quadrante, não há religião.

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Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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