A justiça do fim do mundo

AS CONVERSAS entre Moro e Dallagnol contêm ilegalidades? Pode ser que sim, desde que se comprove prejuízo à defesa, o chamado devido processo. Mas a ilegalidade não é o pior nas conversas e estratégias comuns, porque os dois não inauguraram o comportamento: ele acontece sorrateiro e discreto em todos os tribunais.

Pode chocar, mas o pior daquilo não é a ilegalidade. É o fiasco, continuado, completo, rematado e absurdo, que começa no tête-a-tête e resulta nas condenações. Antes de massacrar juiz e procurador deve-se perguntar: eles falsearam as provas, as sentenças não foram confirmadas no tribunal? No momento é o espetáculo, a encenação do escândalo.

O que fizeram é reprovável? Sim, mas diante dos precedentes, é pecado venial de juízes. O juiz deu força à acusação sem contrapartida isonômica à defesa, como recriminam agora os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes (que mantinha encontros com Michel Temer quando este era processado, sem isonomia com Rodrigo Janot, que denunciava Temer).

Um caso explosivo, “nitroglicerina pura”, como disse Fernando Collor sobre o romance de sua ministra da Fazenda com o ministro da Justiça. A afobação de Moro e Dallagnol dará força aos ministros do Supremo para acabar com a prisão na segunda instância – levando a nada todo o trabalho depurador da Operação Lava Jato.

Juiz e procurador agiram no modo “faça-se justiça ainda que o mundo pereça”, como criticavam os romanos. Os dois tentaram acabar com o mundo da corrupção. As inconfidências e imprudências telefônicas, mais a ambição de Moro em ser ministro, levam o mundo da corrupção e aliados à tentativa de acabar com o mundo do juiz e do procurador.

No momento o Brasil vê-se novamente diante daqueles impasses de sua história: um passo adiante, dois passos atrás. A Operação Lava Jato foi um avanço, expôs a corrupção e a impudência, o despudor dos políticos. Agora esses mesmos políticos levam o Brasil a recuar os dois passos de sempre: o descrédito da Lava Jato e o “resgate” daqueles nela apanhados.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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