A mulher de César

A companheira Janja está em Lisboa, acompanha o companheiro Lula em visita de Estado. Lá chegados, ela deixa o hotel para bater pernas no dia livre pré compromissos oficiais. E o que faz a companheira nesse dia e hora? Dobra à direita da entrada do Hotel Tivoli, na Avenida da Liberdade, e embarafusta-se na loja Ermenegildo Zegna, onde, para alegria da oposição e, obcecada por bolsas, demora-se em contemplação de seu objeto de desejo. Essas bolsas e suas grifes fazem a alegria de influencers miolo mole e jornalistas fofoqueiros, que publicam o exato valor dos sacolões Lui Vumiton, como dizia minha amiga Eliana Vidal.

Nos 90 dias de primeira dama, Janja alimenta as críticas sobre seu desempenho: deslumbrada e metediça. Gosta de aparecer e dar palpites. Às vezes acerta, como quando organizou a posse do marido com mulheres brasileiras, o exato oposto de Jair Bolsonaro, que odeia mulheres, para ele o mal necessário para exaltar sua imbrochabilidade. Janja repaginou Lula, hoje um homem vestido de ternos bem cortados, camisas e gravatas elegantes (faltam os sapatos sob medida do artesão ítalo-paulistano, como poucos percebiam a adornar os pés de Michel Temer). Lula até usa terno sem gravata, marca da informalidade formal. No resto, é deslumbrada e metediça.

Esses atributos de Janja pespegam nela o timbre de primeiras damas de igual perfil, como Iolanda da Costa e Silva, Dulce Figueiredo para citar duas casadas com ditadores. Janja está longe dos padrões dona Santinha, metediça, porém discreta e católica que fez a cabeça do marido contra o jogo do bicho; dona Marisa Letícia, sua antecessora na função, e Marcela Temer, o símbolo do recato, das virtudes domésticas e da beleza, cujo único exagero era a tatuagem com o nome do marido em sua soberba nuca, algo que um Wilhelm Reich pré freudiano explicaria com detalhes (o Insulto promoveu um seminário sobre essa tatuagem).O Insulto não reivindica para Janja o papel de Mulher de César (o morto por Brutus, não os do rol de imperadores romanos, porque César não chegou a ser César, como Otávio Augusto ou Romulus Augustulus, o último). Quem era a mulher de César? Na linguagem chula de hoje diríamos que era pegadora: César viajava nas campanhas da Gália e da Abissínia, e Pompéia Sula, a mulher, aprontava surubas e bacanais em casa. Enquanto isso, César, bissexual até o cabo, carregava a fama de “o homem de todas as mulheres e a mulher de todos os homens”. Aceitava-se as sacanagens de César e repudiava-se a vida pecaminosa de Pompéia.

Os motivos do divórcio de César, ao repudiar Pompéia, fixaram os atributos milenares para as mulheres dos homens de Estado: como a mulher de César, não só devem ser honestas, mas também parecerem honestas. As virtudes de Marcela Temer são emblemáticas da mulher que foi criada pelo marido (que a conheceu aos 16 anos, ele no terceiro casamento) para ser a autêntica mulher de César. Depois disso, no Brasil, sobretudo nesta república, exige-se que as mulheres dos Césares apenas aparentem ser honestas. Que o digam Rosane Collor e Micheque Bolsonaro.

Janja não só é honesta como aparenta ser – até prova em contrário, como deve ser. Seu deslumbramento alimenta seu lado metediço e deslumbrado. O metediço deixou estragos, quem sabe benefício, na taxação das quinquilharias chinesas. O deslumbramento não é bem. Começou com aquela bobagem de “ressignificar o papel da primeira dama”. Dá até vontade de resgatar o reducionismo de Ciro Gomes sobre Patrícia Pillar: “o papel dela será dormir comigo”. Ressignificar é ‘masturbação sociológica”, nas palavras do ministro de FHC. Ai Janja debutou no deslumbramento, que desaguou na compra da cama e do sofá do Alvorada.

Mas convenhamos, companheiros presidente e primeira dama, entrar em loja de grife no Exterior é o pior dos deslumbramentos para quem carrega a bandeira dos trabalhadores e dos pobres brasileiros, curtidos e mal pagos. Isso é coisa de piriguete, de cantora sertaneja e de mulher rica (estas recebem os produtos em casa, ou mandam empregados apanhá-los). Sabe o que resulta desse comportamento de Janja? Todos os lobistas do Brasil ficam sabendo como adoçar a boa vontade de Lula. É só mandar bolsas Zegna para Janja. Assim como o emir fez com as jóias para Bolsonaro. O petrolão começou assim: presentes, pedalinhos, sítio e triplex.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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