A mulher quer mudar de ideia

Não existe hora H para quem não se preocupou com todo o alfabeto que vem antes

Mas, afinal, o que quer uma mulher? Depois de 40 anos portando uma maravilhosa vagina, acho que finalmente descobri: uma mulher quer poder mudar de ideia.

Demorei a perder a virgindade, mas, antes disso, fui para a cama com alguns rapazes. Dormi na casa deles, em motéis bregas e em uma infinidade de pousadas vagabundas. Eu falava sacanagem, provocava, atiçava, massageava, pegava e, na hora H… Não existe hora H para quem não se preocupou com todo o alfabeto que vem antes. “Ah, mas eu achei que a gente ia transar.” Pois é, eu também, mas mudei de ideia.

Sono, fome, falta de romance, romance demais, falta de carinho, falta de empatia, falta de pegada, bafo, beijo desencaixado, beijo molengo, papo-furado, preguiça, medo, pouca idade, pouca vontade, vontade demais.

Nesses 20 anos de vida sexual, eu desisti tantas vezes de transar já estando “na cara do gol” —e que momento propício para um trocadilho futebolístico—que um antigo conhecido “brincava” comigo: “Você tem sorte que nunca nenhum deles ficou realmente puto e te machucou”. Sorte eu tenho de ter me distanciado de gente que fala uma coisa dessas.

Ao longo da vida, mudei de ideia quase tanto quanto tive ideias. Quem me conhece sabe que eu sou a campeã internacional de combinar viagem e não ir. De dar festa de aniversário e me arrepender (e largar todo mundo na sala e ir dormir). De vender ideias de roteiros e livros e achar tudo uma merda assim que consigo um contrato. De me obcecar em uma melhor amiga e semanas depois achar a pessoa insuportável.

Já troquei tantas vezes o pedido no restaurante, que tem garçom que ao me ver respira fundo e faz cara de “hoje eu peço demissão”. Antes de entender que o único trabalho possível para mim seria um inventado, troquei tanto de emprego e profissão que minha família me apontava como “essa não vai dar em nada”. Antes de entender que o único casamento possível pra mim seria um inventado, troquei tanto de namorado que as pessoas já perguntavam: “Quem é o homem da sua vida dessa semana?”.

Mudei seis vezes de obstetra quando estava grávida, cinco vezes de gastro quando estava com gastrite e quatro vezes de psiquiatra quando estava deprimida. E o que é isso, afinal? Histeria? Chatice? Mulher é tudo maluca? Não, meu anjo, é que a galera é ruim mesmo.

Talvez a gente nunca saiba se o tal jogador de futebol com boa índole (e devedor de R$ 69 milhões à Receita) cometeu violência sexual. Mas de uma coisa podemos ter certeza: ele (que cometeu vingança pornô) e boa parte do tribunal da internet acreditam que se uma mulher manda foto pelada, manda mensagens provocativas e aceita um convite para um quarto… ela não pode mais mudar de ideia. Se chegou até ali ajoelhada, agora ela vai ter que rezar. Se está no inferno, vai ter que abraçar o capeta. Percebam que, encarnando Deus ou Diabo, o homem sempre está em posição de poder.

E por falar nos machos: tadinhos! Não lidam bem com relacionamentos amorosos, temem a paternidade, não sabem o que fazer com mulheres espertas. E, abençoados pelas mamães e pelo patriarcado, mudam de ideia todos os dias. Não ligam, não aparecem, não respondem, não sentem, não querem mais. Porque é “do homem” ser instável, livre e errático. É charmoso e esperado. É misterioso e difícil. Nós, que na fantasia deles somos meros úteros passivos e dependentes de saltitantes espermas fanfarrões, temos mais é que, uma vez que escolhemos ter pernas que abrem, não mudar jamais de ideia.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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