A salvação do Brasil

Não vi, mas li nas folhas e neste espaço do Zé Beto a íntegra do discurso proferido na terça-feira por Jair Messias Bolsonaro na sede das Nações Unidas, em Nova York. Foi a cara dele. Ele pensa que está salvando o Brasil e os brasileiros da ditadura cubo-venezuelana, armada aqui pelo lulo-petismo. Fazer o que?

“Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo” – proclamou o capitão-presidente no preâmbulo de seu elóquio, reforçando o argumento:

“Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições”.

E foi por aí adentro, só não levantando um louvor ao senhor Jesus porque isso ficaria para o final.

Havia a expectativa de que o presidente usasse o evento para usar um tom mais conciliatório, capaz de agradar os líderes mundiais. “Mas em segundos ficou claro que eles ficariam desapontados” – destacou o jornal inglês The Guardian, depois de haver registrado que “Bolsonaro ofereceu um instantâneo da administração introvertida, obcecada por conspiração e profundamente arrogante que agora governa a maior democracia do mundo”.

O que ninguém esperava é que, em vez de falar para o mundo, Bolsonaro falasse para o eleitorado próprio.

Em oito meses de governo, Messias acha que deu um basta na corrupção, colocou a economia nacional em ordem e extinguiu a criminalidade reinante no país. Só esqueceu de combinar com os bandidos, que continuam em ação, com fúria crescente. Mas a plateia estrangeira não estava se incomodando com isso. A preocupação dela era com a Amazônia.

O capitão estava preparado para isso. Evocou a jovem Ysany Kalapalo, a “indígena de direita” que levara a tiracolo, e revelou que “a nossa Amazônia é maior que toda a Europa Ocidental e permanece praticamente intocada”, “prova de que somos um dos países que mais protegem o meio ambiente”.

Há controvérsias, excelência. Só no mês de julho do corrente ano, já sob o vosso reinado, o desmatamento na Amazônia brasileira foi de 278% maior do que o registrado no mesmo período do ano de 2018, segundo dados do INPE. A divulgação desse dado custou a Ricardo Galvão o cargo de diretor do instituto, já que não avisara disso, previamente, a presidência da República e devia estar “a serviço de alguma ONG”.

Desde o início de seu governo, Bolsonaro passou a desmontar as políticas públicas na área sócio-ambiental, incentivando atividades de alto risco na área amazônica, como a mineração e a ocupação ilegal de terras públicas. Para os povos indígenas, então, a situação tornou-se dramática, posto serem eles dependentes desse ambiente. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), hoje sem nenhuma força política, foi desmantelada e atualmente é presidida por um ex-delegado da polícia federal, aliado ao agronegócio.

O capitão-presidente preocupa-se com o tamanho dos territórios indígenas. “A reserva Ianomâmi, sozinha, conta com aproximadamente 95 mil km2, equivalente ao tamanho de Portugal ou da Hungria, embora apenas 15 mil índios vivam nessa área” – informou.

Pois é, excelência, agronegócio nela! Afinal, como também pontuou v. exª., “o mundo necessita ser alimentado”. E o Brasil preservando território em favor de selvícolas improdutíveis!… Era o que faltava!

Então, se não podemos passar a mão nelas, queimemo-las. De acordo com o Fire Information for Resoure Manegement System, da Nasa americana, entre 15 e 20 de agosto, 131 terras indígenas brasileiras ardiam em chamas a céu aberto.

Na parte final do pronunciamento, Bolsonaro foi mais Bolsonaro do que nunca ao mirar a ideologia, que se instalou no Brasil, “no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas” A seu ver, “a ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família”. E, desse modo, procura “destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica”.

Quer dizer, num só tiro, ele alvejou a educação, a cultura, a imprensa, as universidades, as escolas (os povos indígenas já havia alvejado) e, especialmente, a comunidade LGBT. Um autêntico democrata, em defesa da família, tradição e propriedade.

E assim, certo do cumprimento do dever, antes da despedida, o nosso bravo combatente recorreu a João 8,32:

– “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

Louvado seja o nosso Messias! Graças a ele, estamos salvos. Aleluia!

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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