A vida é um sopro

Os humanos, atestam os cientistas e as estatísticas, estamos vivendo cada vez mais. Desconheço apenas se para melhor. O mundo e as coisas do mundo me parecem progressivamente piores, na mesma medida – cruel ironia -, em que ficamos mais longevos.

A morte recente do grande Coski, o brilhante “lorde” Luiz Roberto Soares, dessas figuras de políticos, ou ex-políticos, que não se fazem mais, confesso que não a digeri de todo até agora.

Fulminado por um enfarte, aos 66 anos, na fila de uma agência bancária, foi uma exceção às estatísticas e a todos os prognósticos. Inclusive aos nossos, pessoais, que pontuaram a conversa que tivemos um dia antes. Há menos de doze horas de seu fim, falamos longamente ao telefone e o Coski, senhores, era só entusiasmo e saúde, além da língua ferina que nele era quase um vício.

Tendo como “gancho” o escritor Pedro Nava, que conheci já octogenário, no Rio, Coski demoliu mediocrões e mediocraços, exaltou o gênio de raros e falamos justamente de longevos notórios do patropi. De Dona Canô, a quase centenária mãe de Caetano Veloso, ao Oscar Niemeyer que, salvo imprevistos, emplaca um século em dezembro, sem esquecer jamais de Dercy Gonçalves, nossa rainha do escracho.

E lembramos alguns macróbios notáveis do passado recente, a exemplo de Barbosa Lima Sobrinho, morto aos 103; Sobral Pinto, aos 98, e até mesmo de Austregésilo de Athayde, saltitante nonagenário capaz de recitar, na ponta da língua, todos os estados americanos. Que não são poucos e nem fáceis de memorizar, por complicados em pronúncia e estilo.

Acredito que, excetuando-se o onisciente imponderável, somos os donos de nosso destino e, por extensão, de nossa vida. E que longevidade é sempre um projeto, uma opção, assim como o seu contrário, a morte prematura. Ainda que não seja fácil morrer. Vivi isso na pele, sob a experiência, mais que pública, com que freqüentei o abismo. E fiz, em tempo, o indispensável revirão, não é mesmo Don Suelda de Itararé?

Alguns de meus contemporâneos não o desejaram fazê-lo – Torquato Neto, Paulo Leminski, Marcos Prado, Ana Cristina César, Rita Pavão, minha amiga amada. E morreram, antes do tempo, de susto, de bala ou vício, por pura convicção de que a vida é mesmo uma inenarrável josta. Não lhes tiro de todo a razão. Poderiam ter produzido mais, incomodado mais o coro dos contentes. Mas vieram ao que vieram e isto, a meu ver, já foi muito.

Olho em torno: tenho minha mãe, 80 anos, muito enferma, vítima de crudelíssima doença degenerativa pelo fato -não tão simples – de que se recusou a viver além da conta, da sua conta particular e intransferível; invejo Caetano por ter Dona Canô a completar lúcidos cem anos em setembro, e tudo o que a gente queria ser era o Oscar Niemeyer…

Mas quando penso no Coski e em sua morte limpa, sem angústia nem aviso, já não sei mais para onde deva andar meu coração. E fico aqui parado, sem escolha, sem norte nem destino. Então, o que resta à gente é viver.

agosto|2007

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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