A Vida Como Ela É.

Penélope Cruz: exuberante

À estas alturas do campeonato, raros são os cineastas que me fazem trocar o conforto de casa pelas invariavelmente rarefeitas salas de cinema. Um deles é, disparado, e até agora sem exceção, o diabólico espanhol Pedro Almodóvar. Foi-se a época em que, na companhia do então enfant terrible Lélio Sotto Maior, o mais importante “expert” cinematográfico paranaense de todos os tempos, nem bem terminava um filme, já estávamos na bilheteria de outro.

Espectadores obsessivos, assistíamos ao luxo e ao lixo com a mesma desenvoltura. Afora, claro, as reprises. Só o clássico Pierrot, le fou, de Godard, não exagero, assistimos aí umas oito, nove vezes. Sei de cor, até hoje, trechos inteiros dos diálogos de Ferdinand e Marianne… Isso para não referir, entre outros, Truffaut, Ford, Visconti, Glauber, Buñuel. Mudei eu ou mudou o cinema? Saindo, na semana, de uma sessão de Volver, de Almodóvar, concluo, ainda outra vez, que mudamos ambos: mudou o cinema e mudei eu.

Com o detalhe de que em se tratando do gênio espanhol, o cinema sempre muda. Para melhor. Tendo a bela Penélope Cruz como a personagem principal de um filme que conta a história aparentemente banal do machismo pós-franquista, que perdura na Espanha feito uma praga, Volver, terrível como a vida, é um retorno de Almodóvar à raiz molecular de suas melhores narrativas: às mulheres, sempre as mulheres, à obsedante fixação materna, à quixotesca La Mancha natal (região ao sul de Madri), e a uma de suas primeiras parcerias, com a veterana e excepcional atriz Carmen Maura. Ainda que sob o risco aqui de parecer simplista informe-se que Volver narra, de modo patético, e quanto mais patético, ainda mais assumidamente melodramático, a história de certa mãe que, tida como morta, assim reaparece, para cuidar das filhas e da neta numa situação de desatinada aflição. Este o cerne e o sumo. Tudo o mais é, de novo, puro Almodóvar. O que conta no cineasta, sobretudo (não é mesmo, Almir Feijó?), é o autêntico “paracinema” no que é mestre consumado. Anota, cita, remete, refere e exalta a grandeza desta arte que parece estar indo a pique em meio ao lixo televisivo ao qual, em nossos tempos bicudíssimos, se vê obrigada a pagar tributo.

80% da mais recente produção cinematográfica tupiniquim (quem contestar há-de?) sugerem canhestros especiais de TV. A arte da grande tela, destinada a reunir num mesmo espaço os mais díspares espectadores, ritualística e insubstituível, cedeu lugar ao chamado “formato” televisivo, às “séries” globais, de duvidoso quilate, nas salas dos shoppings. Melhor ficar em casa.

Entanto e de repente: cores, moinhos de vento, suspense, Hitchcock, doença, morte, a autêntica Anna Magnani em que Penélope Cruz se converte, e não só pela exuberância do busto, mas por um doar-se sem conta nem medida, fazem de Volver, desde já, que mais não seja, um filme inesquecível.

O resto é televisão e a anestésica indolência que ela costuma provocar, principalmente quando evoca a si o papel de cinema. Ou vice-versa.

Wilson Bueno (3/12/2006) O Estado do Paraná

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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