Achados e perdidos

Passei a vida perdendo. Perdi o celular umas sete vezes. Achei umas quatro. Perdi a carteira umas vinte. Achei umas três vezes, uma delas cheia, nas outras duas vazias. Óculos, perdi uns trinta, achei zero. Perdi os anéis, achei os dedos. Guarda-chuvas e canetas Bic já não faço ideia, mas são feitos pra isso: pra se perderem pra sempre. Perdi moedas. Achei cinquenta reais na rua. Perdi meus documentos. Achei o documento dos outros. Perdi a hora. Mais de mil vezes. Essas nunca achei de volta. Perdi uma hora no verão, achei ela de volta no inverno. Perdi o voo. Muitos. Achei outros voos, sempre mais caros. Perdi a diferença de tarifa, perdi dinheiro. Achei maneiras de me divertir no aeroporto, achei amigos no saguão, achei o portão de embarque depois de muito custo. Perdi cabelo, achei melhor tomar finasterida. Perdi quilos no futebol, mas logo os encontrei na cerveja pós-futebol. Perdi horas no cartório e no Detran, perdi dias no Facebook e no Instagram, perdi meses parado no engarrafamento. Achei amigos na fila do Detran, no Facebook, no Instagram; no engarrafamento não achei ninguém. Na UFF, perdi um período inteiro na ponte. Achei chato. Nas aulas, perdi o foco, não achei nada. Perdi o sono. Achei umas ideias. Perdi a manhã porque perdi a noite porque perdi o sono. Perdi a noite porque perdi a manhã. Achei um bar aberto. Bebendo, perdi a linha. Achei a ressaca. No teatro, perdi a vergonha, perdi o senso do ridículo, perdi finais de semana. Achei uma maneira de ganhar dinheiro e de fazer novos amigos. Mesmo que por uma noite só, achei graça. Falando, perdi o fio da meada. Achei as drogas. Perdi neurônios. Achei graça em coisas que não tinham tanta graça. Perdi coisas por medo: medo de perder a memória, medo de perder a vida, medo de perder tempo com medo de perder tempo. Acho que tenho medo de achar coisas demais. Perdi um gol feito, na cara do gol. Achei que fosse morrer. Perdi muitos jogos com o Fluminense. Perdi uma semifinal pro Santos, de virada, e de virada também uma final pro Boca Juniors. Perdi a chance de pegar a Série B. Achei que não gostasse mais de futebol. Escrevendo, perdi a chance de ficar calado. Achei um monte de coisas que já não acho mais. Já me perdi uma dúzia de vezes. E já me achei, até demais –me achei o máximo, me achei uma merda, e já achei que perdi tempo demais me achando. Perguntaram pro jogador João Pinto: “O que você achou do jogo?”, e ele: “Eu não achei nada. O Aloísio achou um pente”. Nunca achei um pente.

gregorioduvivier

Gregorio Duvier – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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