Adão e Eva

Contardo Calligaris – Folha de São Paulo

A vida é dura? Você vai morrer? Adão, Eva e você mesmo fizeram por merecer

Aprendi a história de Adão e Eva cedo, antes de eu saber ler. Ela veio já enriquecida por detalhes que não estão na Bíblia: interpretações de rabinos, de pensadores dos primeiros séculos do cristianismo e, mais ainda, visões de artistas, a começar pelos afrescos de Masaccio em Santa Maria del Carmine (Florença), que descobri aos sete anos.

A história de Adão e Eva nunca me convenceu inteiramente. Na escola de catecismo para a primeira comunhão, eu infernizava o padre: como é que Deus queria que a gente não soubesse a diferença entre o bem e o mal? Que valor teria a escolha de Adão e Eva, se eles não soubessem fazer essa diferença? Eu adorava colocar perguntas sem resposta.

Houve um momento, na primeira adolescência, em que a história de Adão e Eva se tornou, para mim, no melhor dos casos, apenas um jeito imaginativo de lembrar ou de nos fazer crer que Deus teria criado o mundo e os homens.

Mais tarde, cheguei à conclusão de que a evolução da nossa espécie acarreta alguns efeitos colaterais lastimáveis, ou seja, inventamos linguagem, consciência etc., mas, em compensação, também nos colocamos perguntas às quais não sabemos responder.

Pouco tempo atrás, nesta coluna, comentei um texto sobre Adão, Eva e Agostinho, de Stephen Greenblatt, o autor de “A Virada” (Companhia das Letras).

O texto em questão dava um avan-gosto de um novo livro de Greenblatt, que acabava de ser publicado nos EUA e cuja tradução sai agora: “Ascensão e Queda de Adão e Eva” (Companhia das Letras).

Ler Greenblatt é sempre uma extraordinária aventura. Desta vez, ele conta a história de Adão e Eva desde sua aparição (no primeiro livro da Bíblia) até nós.

O casal originário e seu pecado foram necessários para que o criador estivesse maldisposto com sua criatura, ou seja, com a gente. Por que precisava disso?

Os primeiros livros da Bíblia foram compilados quando, cinco séculos antes da nossa era, os judeus puderam voltar do cativeiro em Babilônia.

Levados escravos e com o Templo de Jerusalém devastado, os judeus podiam pensar que Marduk, divindade de Babilônia, fosse mais forte do que o Deus deles. Para entender seus infortúnios sem supor uma fraqueza de Deus, o povo eleito precisava acreditar que a culpa do desastre fosse dele.

Adão e Eva oferecem a primeira grande explicação do mal que acomete os homens: o pecado de Adão e Eva introduziu a morte e a dureza da vida.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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