Aluga-se Nelson Rodrigues

Amigo torcedor, amigo secador, e não é que Nelson Rodrigues, além de servir de escudo ao governo, com seu patriotismo em chuteiras, também virou, da forma mais involuntária e oportunista possível, garoto propaganda de aparelho de telefone celular!

Com direito a moderníssima e freudiana cerquilha #NelsonExplica. Nelson estatizado, Nelson privatizado no último, Nelson é a única unanimidade em torno da Copa 2014, logo ele que via na unanimidade a burrice por excelência.

O colega Ruy Castro, biógrafo de Nelson e de Garrincha, tratou, no artigo “Nelson Tse-Tung”, do suposto mal-estar rodriguiano diante de uma coletânea de crônicas esportivas editada pelo Ministério do Esporte, cujo pendor marxista jamais foi algo clandestino.

Ao me deparar com o anúncio telefônico, graficamente muito bonito, fiquei imaginando o velho Nelson, que não aceitava, em matéria de nova tecnologia, sequer o videoteipe (“o videoteipe é burro”), diante de uma propaganda de velocidade 4G para celulares.

Vamos admitir: tudo em Nelson, na questão pública e na questão privada, era hiperbólico, aí está a beleza –estar no mundo sem exagero algum é quase desistir de nascença. “Onde os fracos não têm vez”, caro Darwin, só os exagerados sobrevivem, aqui lembrando o título do derradeiro e mais genial dos faroeste.

No drama dos suburbanos corações das gostosas engraçadinhas ou na pelada mais erma na carioca Aldeia Campista. Mais valia, sem trocadilho marxista, o incêndio da frase. A tirada que repetiremos até a morte, independentemente da ordem e do progresso.

Como Nelson é minha religião de estepe contra o desconforto de existir, nem vou reclamar que o tio filosofal seja o tema dessa Copa. Bato palmas, até. Afinal de contas, seria ridículo que um mundial no Brasil não lembrasse de NR como a máxima nota de redação, o nome do jogo, o cara, revendendo ou não a pátria e a promoção dos celulares.

Lembrar do maior cronista, esportivo ou não, lembrar do nosso Shakespeare (eu prefiro Nelson mil vezes!) já vale mais do que todas as Copas do Mundo. Quem sabe, depois de passar isso tudo, Nelson não visite a escola, do pré-primário à universidade.

O pior é que acostuma acontecer o contrário. Passa a festa e o tio Nelson pode ser devolvido ao imoral tarado de sempre, proibido pela força política de católicos e evangélicos da situação ou ferrenhos oposicionistas. Daí o governo e a iniciativa privada, sempre entregues à negociação mediana, negarão o rodriguianismo qual um Pedro diante do bíblico canto do galo.

Quero ver o mesmo governo e a publicidade botarem o tio Nelson em todas as escolas e em algum anunciozinho de desodorante depois. Todo mundo aluga Nelson. É fácil. Quero ver é negociar com as contradições (essência do marxismo) que ele traz.

xico-sáXico Sá – 12/04/2014 – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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