Musas

meu-tipo-inesquecível-Angeliki-Papouliacartaz-dogtoothAngeliki Papoulia. Ela se formou na escola de teatro Empros e fazia parte do grupo desde 2004, onde dirigia, interpretava. Fez filmes de sucesso, como Dente Canino (vencedor do Festival de Cannes, “Un Certain Regard”, Montreal Festival du Nouveau Cinema “Citizen Kane” prêmio e, claro, nomeado para o Oscar de “Melhor Filme de Língua Estrangeira do Ano” em 2011.

Dá pra xingar o grego Dente Canino de tudo, menos de ser dissimulado. Eleito melhor filme da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes deste ano, o trabalho de estreia do diretor Yorgos Lanthimos não esconde que faz cinema para sadomasoquistas. Na verdade, deixa isso tão claro que uma cena até envolve uma surra com fita VHS. Metáfora fina.

A trama é uma provocação contra quem acha que games, cinema, TV – o mundo, enfim – ajudam a corromper as pessoas. Três filhos adultos, um rapaz e duas mulheres, são mantidos em casa por seus pais como se fossem detentos. A ideia é lhes preservar a inocência. Na TV, só assistem aos filmes caseiros que a família faz. Na vitrola, o pai apresenta Sinatra como sendo o avô dos meninos, e traduz para o grego a letra de “Fly me to the Moon” como bem entende.

E é isso, em resumo. Lanthimos passa o filme subindo ou diminuindo, com intentos de chocar ou fazer rir, o nível de absurdo dessas situações. Os filhos matam um gato porque nunca tinham visto um bicho daqueles, desejam que aviões caiam no jardim para colecioná-los, brincam com água como crianças de fato. E evidentemente a curiosidade inata dos filhos uma hora dá em merda…

Dente Canino é uma versão acrítica de A Vila. Melhor dizendo, é uma versão escrachada de Dogville – a proximidade do cinema de Lanthimos com o de Lars von Trier é maior, e não está só na semelhança dos títulos. Os dentes caninos têm uma certa importância para a trama, mas sua imagem é inicialmente simbólica – dentes caninos são triangulares, pontudos, afiados, porque foram projetados há gerações para rasgar carne. O que o pai da família de Dente Canino está tentando fazer, de novo metaforicamente, é transformar sua gente carnívora em bebedores de leite.

De novo, um simbolismo que só reafirma uma proposta inicial. Esse é o grande problema do filme: sua provocação, além de reiterativa, tem alcance curto (e passa por clichês do Estado repressor, como as roupas todas brancas). Como na cena em que o treinador de cachorros explica que eles são amestrados “como queremos que eles se comportem”. Ora, o filme já está batendo nessa tecla desde o começo… Não há uma evolução de ideias, mas uma reafirmação de premissa e uma graduação de tolerâncias. Sadismo puro e simples.

No fim, o cinema, representado pelo citado VHS, interpreta um papel de catalisador da anarquia. É curioso que Lanthimos o enxerge assim, e é o tipo que cinema que ele almeja. Em Dente Canino, filmes são tratados como dados pré-existentes, objetos fechados, que desde sempre foram uma marca de rebeldia. O erro do diretor é não entender que o cinema, para se tornar rebeldia, primeiro precisa passar por um processo de reflexão.

Omelete

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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