O buraco negro

Não entendo mas me comovo

Desde quarta (10), quando foi divulgada a foto do donut flamejante de massa equivalente a 6,5 bilhões de sois, situado a 55 milhões de anos luz, não paro de ler sobre buracos negros. Sinto-me como se assistisse a um filme do David Lynch: o cérebro não compreende tudo, mas os pelos do braço, arrepiados, sim. 

Oito radiotelescópios em quatro continentes, sincronizados por relógios atômicos, criaram um antenão do tamanho da Terra. Por dez dias, em 2017, o megatelescópio auscultou o coração da galáxia M87 e gerou tantos dados que não foi possível transmiti-los via internet, tiveram de ser levados aos laboratórios de avião, em hard discs. Depois de dois anos, os 200 cientistas do projeto Horizonte de Eventos enfim chegaram à primeira imagem jamais obtida de um buraco negro. Como sobre cosmologia o meu assombro só não supera a minha ignorância, deixo-os com os que entendem do assunto.

“Usando a então novíssima teoria da relatividade geral de Einstein, o físico alemão Karl Schwarzschild calculou pela primeira vez o que aconteceria se fosse possível comprimir a massa de uma estrela além de um determinado limite. Descobriu que, a partir de tal ponto, a gravidade ali seria tão intensa que nada poderia escapar dela —nem mesmo a coisa mais rápida que existe, a luz” (Salvador Nogueira, na Folha).

Os buracos negros supermassivos, porém (como é o caso na M87), parecem ter outra origem. “Ninguém sabe como tais Gigantes do Nada podem ter se formado. Densas rugas na energia primordial do Big Bang? Monstruosas estrelas que colapsaram e engoliram seu entorno na alvorada do universo? Os cientistas também ignoram o que se passa com o que quer que caia num buraco negro e que forças reinam lá no centro, onde, teoricamente, a densidade se aproxima do infinito, fundindo o computador da natureza” (Dennis Overbye, no New York Times).

Horizonte de Eventos, nome do projeto, é como se chama o limite em torno de um buraco negro a partir do qual a gravidade é tão forte que o que quer que o cruze será sugado. “Pode-se muito bem dizer, sobre o horizonte de eventos, o que o poeta Dante disse com relação à entrada do inferno: ‘Quem aqui entra, abandone qualquer esperança’. Qualquer coisa ou pessoa que caia através do horizonte de eventos logo atingirá a região da densidade infinita e o fim do tempo” (Stephen Hawking, em “Uma Breve História do Tempo”).

Como eu disse antes: não entendo, mas me comovo. E melhora: “A teoria geral da relatividade levou a uma nova concepção do cosmos, na qual o espaço-tempo podia tremer, dobrar, rasgar, expandir, girar como a pá de uma batedeira e até desaparecer para sempre no bucho de um buraco negro” (NYT).

“É isso que as imagens de hoje significam: nossa primeira contemplação desse esotérico abismo no próprio tecido do espaço” (Salvador Nogueira). “É um anel de fumaça emoldurando um portal de mão única para a eternidade” (NYT).

“O universo não é apenas mais estranho do que supomos; ele é mais estranho do que conseguimos supor”, J.B.S. Haldane, biólogo britânico. “Ontem me comportei mal no universo./ Vivi o dia inteiro sem indagar nada, sem estranhar nada.// Executei as tarefas diárias/ como se isso fosse tudo o que deveria fazer.// Inspirar, expirar, um passo, outro passo, obrigações,// (…) O mundo poderia ter sido percebido como um mundo louco,/ e eu o tomei somente para uso habitual. (…)// O savoir-vivre cósmico,/ embora se cale sobre nós,/ ainda assim nos exige algo:/ alguma atenção, umas frases de Pascal/ e uma participação perplexa nesse jogo/ de regras desconhecidas”, Wislawa Szymborska, poeta polonesa.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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