As outras veias abertas

As confissões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a seu então colega José Mujica revelam, claramente, que há mais veias abertas na América Latina do que supunha o criador dessa expressão, o notável escritor uruguaio Eduardo Galeano, morto faz pouco.

No livro que conta os cinco anos de governo de Mujica (“Una oveja negra al poder”, recém-lançado pelos jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz), o ex-presidente uruguaio atribui a Lula a seguinte afirmação: “Neste mundo, tive que lidar com muitas coisas imorais e com chantagens”.

Seria, sempre segundo Lula, “a única forma de governar o país”.

Como a conversa girava em torno do mensalão, a interpretação do jornal “O Globo”, logo encampada nas redes sociais pelo antilulopetismo, foi a de que o ex-presidente estaria, pela primeira vez, admitindo a existência do esquema de compra de apoio.

Só Lula e/ou Mujica podem dizer se a interpretação é ou não correta. Do meu ponto de vista, Lula estava descrevendo fielmente a maneira de fazer política no Brasil, não só no governo dele, mas desde sempre.

Não custa lembrar que, para o golpe de 1964, foi usado o pretexto de que era preciso combater não só a “subversão” como a corrupção.

Pretexto falso, claro, mas que evidencia que a percepção comum no país é a de que a corrupção é uma veia permanentemente aberta.

Tanto é assim que o Brasil ocupa vergonhoso 69º lugar no recente ranking de percepção da corrupção da Transparência Internacional.

Pode -e deve- causar indignação, mas não surpresa.

O que surpreende é verificar que até o Chile está às voltas com sucessivos escândalos de corrupção, embora seja o país latino-americano mais bem colocado nesse ranking (21º lugar, ao lado do Uruguai).

A presidente Michelle Bachelet acaba de pedir a renúncia de todos os seus ministros -apenas seis meses depois de ter sido eleita, com 62% dos votos.

A aprovação de sua gestão caiu a 29% no mais recente levantamento, ante os 56% que a reprovam.

Há mais de um fator a explicar a queda, mas sucessivos escândalos de corrupção, envolvendo os partidos da coligação governista e os da oposição, são elementos essenciais.

No site Infolatam, o analista político Patricio Navas analisa a situação em termos menos crus, mas essencialmente iguais aos que Lula empregou na conversa com Mujica.

Diz que, ao obrigar-se a fazer uma reforma ministerial, “Bachelet fica sequestrada pelos partidos que lutarão para manter suas cotas de poder na equipe de governo”.

É diferente do que acontecia no governo Lula ou antes e depois dele, com Dilma, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney?

A grande diferença é que Bachelet admitiu, na TV, que seu filho foi “imprudente” ao pedir um empréstimo para um empreendimento que lhe permitiu suculentos lucros, por dispor de informação privilegiada.

No Brasil, ninguém admite nada de errado, por mais escandalosos e recorrentes que sejam os episódios envolvendo amigos e correligionários. Só as veias dos outros estão abertas?

Clóvis Rossi|Folha de S.Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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