Associação Esportiva Ócio

Num país longínquo havia um costume secular. Todos os habitantes, ao nascer, tinham tênis afixados aos pés. Com o passar dos anos, eram obrigados, por lei, a mantê-los sob pena de detenção.

O povo também deveria fazer exercícios: pelo menos, 12 horas por dia. Metade do PIB era usado na fiscalização da prática desportiva e em publicidade de conscientização sobre os benefícios do atletismo.

Um dia, um jovem aluno da Faculdade de Educação Física recebeu uma bolsa e foi estudar num país vizinho. Chegando lá estranhou muitas coisas. Primeiro, ali os habitantes não usavam tênis colados aos pés. Depois, não havia nenhuma obrigatoriedade em relação a fazer ginástica. O rapaz também notou que o povo era um pouco mais gordo e lento que seus conterrâneos. Mas não percebeu nenhum sinal da melancolia, ou mesmo de doenças horríveis que os extinguissem, conforme as autoridades de seu país afirmavam acometer os que não se entregavam à pratica esportiva. Ao contrário, toda gente lia e ouvia músicas nas praças. Ou simplesmente entregava-se à contemplação.

Ao voltar à sua nação, procurou o reitor da universidade. Relatou sua passagem pelo estrangeiro e comentou aquilo que mais chamara sua atenção:

– Mestre, os habitantes de lá não fazem esporte algum e nem andam com tênis afixados aos pés. E, por incrível que pareça, são felizes e saudáveis. Por que aqui somos forçado a andar com essas próteses em nossas extremidadades, do nascimento até a morte?

O reitor franziu o cenho e disse:

– É uma ilusão, meu rapaz. Se passasse mais tempo entre eles veria a doença, a devassidão, a decadência. Não julgue nada na vida por uma observação tão efêmera.

O conselho do reitor não demoveu o moço de buscar uma solução para seus fraternos. Pessoas que ele via, a todo instante, alienadamente correndo, saltando, chutando até a mais completa exaustão. Depois comendo uma ração diária, sensaborona, controlada pelo Estado.

Uma tarde, saindo da academia de esgrima, ele decidiu arrancar os tênis usando um sabre. Em seguida, deitou-se descalço no banco da praça principal e ficou ali, apenas olhando os passantes se exercitando febrilmente. Não demorou para que estacionasse a seu lado uma blitz da Polícia do Desporto. Foram logo alertando-o pelo alto-falante:

– Marchando, correndo, saltando!

O rapaz continuou na mesma posição. Os policiais desceram da viatura e passaram a lhe aplicar choques com uma vareta de tocar gado. Inesperadamente, a atitude violenta chamou a atenção dos esportistas em volta. Um deles apanhou o sabre do chão e arrancou o tênis.

Outro, e muitos mais, repetiram o gesto. Em seguida, sem nada nos pés, partiram para cima dos meganhas e os afugentaram com golpes de luta greco-romana.

Em poucas horas, a cidade inteira aderia ao protesto e não havia mais ninguém calçando tênis ou praticando esportes. Dias depois, o país inteiro faria o mesmo: inércia coletiva.

Agora, passadas algumas décadas, o longínquo rincão é um dos mais desenvolvidos do continente. Tudo graças à exportação em larga escala de bacon, molho rosé, marshmallow e cintas abdominais.

Sua bandeira, toda branca, tremula exibindo uma divisa em dourado: ”Liberdade, igualdade, inatividade”.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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