Bendita meditação

Já contei que agora eu medito? Comecei há poucos meses e estou realmente muito mais serena, mais equilibrada, dormindo melhor. Mais um pouco e cometo a famosa foto #gratidão em pose de ioga na praia. Não, isso nunca, vocês sabem que são um pouco ridículos, não sabem? Bem ridículos, na verdade.

Antes, perigava até eu escrever um texto sobre os modismos cretinos de verão (e a galera em Trancoso cheia de adereços indígenas obrando com raspas de ouro pra questão dos índios?). Acontece que passou, como mencionei, estou muito mais calma e benevolente.

Ontem, por exemplo, fui almoçar no Martín Fierro, na Vila Madalena, e consegui me controlar. Não avisei a mulher da mesa ao lado que existe conversar e existe berrar como uma gralha com um alto-falante atochado na traqueia. Existe ser minimamente interessante e existe ser uma anta completa com aquele sotaque insuportável de perua paulistana nasalada que não consegue falar “rua” e fala “ruahhhmm”. Ter tomado muito leite tipo A na infância causou alguma espécie de “fonodemência” nesses seres.

Mas estou melhor. Hoje em dia nem fico me perguntando tanto por que, em nome de Deus, quanto mais (metida a) bem nascida é a fofa, mais ela se comunica por miados, como se estivesse sentada em um nabo flamejante, esticando e frescalhando vogais (“quee caaaahhhsaahh liiiindahhh, meeeeu”)?

Imagino um céu azul por cima de todas as nuvens negras. Presto atenção no meu peito expandindo com a entrada do ar. Sinto meus pés em contato com o chão. E sei que estou realmente ótima porque não desço correndo para vindimar o desgraçado que aplanou o antebraço obeso na buzina do seu carro ordinário parado em frente ao lixo do farol que vive quebrado na esquina do meu prédio.

Quando é que vão solucionar essa questão urgentíssima chamada: Perdizes não está preparada pra chuva. Choveu, param de funcionar todos os semáforos nessa bodega. Alagam ruas a ponto de ter sempre um imbecil clamando por leptospirose enquanto brinca de cachoeira. É zona oeste paulistana ou Itajaí-Açu? Não, eu não desço pra arrancar com alicate enferrujado os olhos do impolido da buzina. Consigo até desejar que ele não faleça. Que seu carro não dê perda total em um acidente. Eu estou de fato muito melhor, graças à meditação.

Antes, o fato do meu pescoço travar a ponto de me dar enxaqueca paralisante e do elevador da minha escápula inflamar a ponto de me dar tendinite nos dois braços e da minha lombar promover fisgadas incandescentes me tirava do sério. Agora, com a meditação, eu apenas sorrio e sigo meus dias, um tanto manca. Só consigo ver televisão com sete almofadas me cerceando, mas… E daí, né? Pelo menos tenho vértebras, televisão, almofadas.

Pilates, fisioterapia, acupuntura, shiatsu, iyengar, RPG, GDS, medicamentos antroposóficos. Nada adianta. Uma infinidade de mestres doutorados levam meu suado dinheiro todo mês e o resultado é mais insignificante que os consertos feitos semanalmente nos semáforos de Perdizes. Tomo também muita venlafaxina e clonazepam, enchendo de dinheiro o ânus clareado por laser das esposas dos donos trilhardários de laboratórios. Mas pergunta se estou com raiva? Jamais! Agora que medito eu estou sublime, primorosa, celestial.

tatidois

Tati Bernardi – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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