Bons tempos dourados

De repente, me dei conta de que sou do tempo da bolacha Maria. Bolacha de São Paulo para baixo, porque de São Paulo para cima, como no Rio e em Minas, bolacha é biscoito.

Em Curitiba e arredores não éramos movidos apenas à bolacha Maria, que existe até hoje, mas também a preciosidades inesquecíveis, que não existem mais, como as bolachas de mel, em forma de coração, enfeitadas com desenhos de açúcar colorido; as balas azedinhas, de coco queimado, de canela e, sobretudo, as balas de ovos, das Indústrias Todeschini, se não estou enganado. Ah, as balas de ovos… crocantes por fora e úmidas por dentro! E os pés-de-moleque, a rapadura, as cocadas, as paçocas de amendoim e as marias-mole?..

Mas as bolachas Maria eram insuperáveis. Quando a mãe, tia ou avó mandava a gente ao armazém ou à padaria (os supermercados ainda não existiam) comprar 200 gramas de bolacha Maria, era uma festa. O vendedor abria uma lata enorme, cheia de bolachas, e pesava a quantia desejada, para, em seguida, embrulhá-la em um pedaço de papel pardo.

Como bom lapeano (assim mesmo com e, porque nós, os lapeanos da resistência ao cerco federalista, não admitimos certas atualizações ortográficas), devo dizer que só uma iguaria era capaz de superar a bolacha Maria: os bolinhos de polvilho azedo. Aqueles com uma pitada de farinha de milho, enroladinhos em forma de laço, com uma ponta depositada sobre a outra. Quem não os conheceu, não sabe o que perdeu. Pena que na velha Lapa dos meus amores já não se fabrique mais o polvilho mágico, que, no entanto, continua existindo “no” Tibagi do Tide Mercer. Até bem pouco tempo, o bandido, de vez em quando, fazia questão de presentear-me com alguns quilos do precioso produto, com um bruto ar de superioridade…

Como estou numa época zen e em plena hora da saudade, vale dizer que eu sou não apenas do tempo da bolacha Maria, mas também das balas Zequinha, do xarope Bromil, do Sandu, do carro-de-praça, do lotação, da telefonista (“Número, por favor?”), do carro-forte (da polícia), de Chic-Chic e do Circo Queirolo, das normalistas do Instituto de Educação, do Colégio Iguassú, das matinadas do Cine Ópera, dos festivais da Metro, dos seriados do Cine Curitiba, do “Clube Mirim” da Rádio Guairacá, de Nhô Belarmino & Nhá Gabriela, da “Revista Matinal” da PRB-2, da Confeitaria Shaeffer, da cuba-libre e do hi-fi, do Café Ouro Verde, da Orquestra do Genésio, dos Chás-Dançantes de Engenharia, dos chocolates Basghal, da Padaria Aurora, da banana-split e do chicle de bola das antigas Lojas Americanas da Rua XV, das Farmácias Minerva, da sopa húngara do Bar Paraná, da vina com salada de batata do Cachorro Quente, do sanduba de pernil com verde do Bar Triângulo, da velha Confeitaria Iguaçu, do Bar OK, da Churrascaria Bambu, do Teatro de Bolso, das boates Marrocos e Moulin Rouge, do Drinks Bar, da Casa Sloper, do Lá no Luhn, da Casa Ottoni, do Lord Magazin, das malas Ika, da velha Ghignone, dos calçados Clark, da Maria do Cavaquinho, do “Pick-Up Automático” da Rádio Ouro Verde FM, do jornal “Última Hora”, da revista “TV Programas”, dos Calouros do Ritmo, do Rei do Disco, das Lojas Mazer, da Maison Blanche, da Cirandinha, das Lojas Tarobá, da Casa Orlando (“Suba que o preço desce”), da Casa Feres (“Pequena por fora, grande por dentro”)… e por aí afora.

Quer dizer, já tenho boa quilometragem rodada e muitas horas de janela. Talvez por isso mesmo continue resistindo à ideia de depor as armas e abandonar o campo de batalha.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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