Camisa da seleção agora é para assoar o nariz

No fim de semana, a TV mostrou a despedida de Pelé da seleção brasileira há 45 anos. Foi no dia 18 de julho de 1971, no Maracanã, num amistoso contra a Iugoslávia escolhido para a ocasião. A partida terminou 2 a 2, mas o placar, o adversário e o jogo não importam. O grande momento foi no fim do primeiro tempo, quando o locutor anunciou pelo alto-falante que chegara a hora, e Pelé daria a volta olímpica.

Pelé começou a correr em torno do gramado, ao coro de “Fica! Fica!” gritado por 140 mil torcedores. Em certo momento, enquanto corria, tirou a camisa, e o simbolismo desse gesto foi demais para todo mundo. Era como se a estivesse tirando pela última vez, porque nunca mais a vestiria. Pelé começou a chorar –e a enxugar as lágrimas com a camisa.

Ele tinha então apenas 30 anos. Pela idade e a condição física, sempre perfeita, poderia continuar a servir ao Brasil por muito tempo. Mas Pelé já tinha também 14 anos de seleção, pela qual marcara 95 gols e vencera três das quatro Copas do Mundo que disputara. Por sua causa, o futebol penetrou em selvas e salões de países que nunca haviam se interessado por ele, e aprenderam que a camisa amarela era o símbolo desse futebol. Não havia lenço mais adequado para aquelas lágrimas.

Pelé fez da seleção um objetivo a ser alcançado por qualquer craque –jogar ao seu lado no ataque do Brasil equivalia ao ingresso na elite, a um diploma de doutorado, a um passaporte para sempre. Mas ele próprio respeitava demais a camisa da seleção para continuar a vesti-la se se tornasse uma sombra do que fora.

Hoje, a seleção é só um estorvo para seus convocados sob contrato com times russos, árabes e até chineses. E a camisa amarela reduziu-se ao pano mais à mão para um jogador –que, aliás, nem deveria estar ali– assoar o nariz ao fim do jogo.

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Ruy Castro – Folha de S.Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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