Carnaval: modo de usar

Uma boa notícia pra você que odeia o Carnaval: você pode continuar odiando o Carnaval. O Carnaval agradece. Já tem gente demais participando. Uma má notícia pra você que odeia o Carnaval: essa batalha está perdida, senhor Grinch. O motivo é simples: o Carnaval chegou aqui antes de você. Primeiro veio o Carnaval. Em volta dele nasceu a cidade, e o circo, os teatros, os cinemas, tudo isso pras pessoas não se entediarem enquanto o Carnaval não chega.

Que o leitor desavisado não ache que estou falando do Carnaval da Globeleza: o Carnaval de rua é o oposto do Carnaval da avenida. Enquanto a avenida se organiza, nos dias de hoje, hierarquicamente, com suas arquibancadas, frisas, camarotes VIPs cheios de BBBs namorando CEOs que pagaram pra assistir desfiles pagos por ditadores sanguinários ao som do tamborim atravessado do prefeito de chapéu de palha, na rua ainda persiste um espetáculo sem ingresso nem catraca, sem palco nem plateia, onde tudo é palco e tudo é plateia, e a única regra é a subversão. Um é vertical, o outro é horizontal, um é à noite, o outro no raiar do dia.

Quanto menos caixas de som, melhor o som. Quanto mais velho o bairro, melhor o bloco. Quanto mais homens com camisa de time de futebol e chapéus de marcas de cerveja, pior o bloco -a não ser que você tenha esse fetiche específico. Acorde cedo. Durma cedo. Não sem antes dar um mergulho na praia. Você não vai ter fome. Mas coma. Pra sobreviver. De preferência em pé. Não leve dinheiro demais. Não leve documento nenhum. Não leve nada que não seja leve. Não leve nada a sério. Nem ninguém. Se beber uma água amarga, é lisérgica. Beba com moderação. Caso você tenha uma água amarga, ofereça para mim. Tentarei beber com moderação. E pode confiar nos sacolés: nunca matou ninguém. Procure músicos a pé

Fuja dos carros, trios e máquinas automotoras. Prefira máquinas como o trombone, o sousafone e o bombardino. Capriche na fantasia, mas não demais -se tudo der certo ela vai estragar. Faça planos, mas não demais.

Apaixone-se demais, desde que não dure muito tempo. Se você vir a pessoa com outra pessoa, é de bom tom traçar uma linha reta na direção oposta e não perguntar nada até quarta-feira (melhor mesmo é não perguntar nada). Importante: saiba voltar pra casa. Nada de mágico acontece depois das oito da noite. Pense que amanhã tem mais. E daqui a pouco já tem festa junina.

gregorioduvivier

Gregorio Duvivier – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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