O processo penal espetacular

No Brasil criaram-se as peças processuais espetaculares.

As filmagens, as divulgações das gravações dos depoimentos passaram a integrar o processo penal, ou seja, a soma das peças processuais mais as notícias da mídia.

Petições, termos de perícias, despachos, sentenças, reportagens espetaculares e até entrevistas de juízes fazem parte deste novo processo penal.

Uma coisa é o processo penal em si mesmo, um meio legal para um fim, absolvição ou condenação. Outra coisa é o espetáculo, a notícia, a charge, as críticas, o escárnio público, o drama, as entrevistas e as opiniões – com opiniões e fundamentos provisórios.

Alguns podem argumentar: “É um homem público, tudo deve ser divulgado”. Certíssimo.

Mas se tudo compõe o processo, há uma contradição fundamental: a pessoa pode ser absolvida na esfera penal e condenada pela mídia e pela opinião pública, mídia que, aliás, é formada por cinco impérios da comunicação, um belo oligopólio jamais visto nos países civilizados.

A mídia em diversos países da União Europeia tem, no mínimo, três opiniões diferentes. Todos falam e reciprocamente se contrapõem. Ganha o telespectador que enxerga vários pontos de vista.

Determinado programa espanhol possui cinco jornalistas polêmicos. Depois de ouvir as diversas opiniões, conclui-se que cada uma guarda alguma verdade nas versões sobre os fatos.

Hoje, no Brasil, o juiz dá entrevistas, e compromete-se antes mesmo da sentença final do processo. Em poucas palavras, pré-julga a causa junto com a mídia. Não mantém o recato nem a discrição que são fundamentais para o mister de julgar.

A imprensa é avisada pelas autoridades, buscam-se os melhores ângulos e criam-se vilões e heróis nacionais.

Altas autoridades do Estado e alguns segmentos das elites estão na mira de várias operações. Bravo, bravíssimo! Tem-se a sensação de que, agora sim, a justiça funciona para todos, estamos numa democracia, a mídia delira, o processo penal se expande.

Outrora, o juiz falava apenas nos autos e os advogados não podiam opinar sobre autos que desconheciam. Os estatutos legais proíbem tais condutas. Quem liga para isto?

Todo Poder Judiciário está realmente julgando todos os corruptos – e das investigações não escapa ninguém? Ou há um cenário novelístico à caça de alguns personagens, politicamente escolhidos, para nos dar a sensação de que nenhum poderoso se livra da Justiça e da mídia, impiedosas e justiceiras?

A justiça penal brasileira precisa acertar as contas com as elites corruptas. Esta conta ainda não foi paga historicamente.

Há procedimentos constitucionais que estão sendo atropelados, mas ninguém se importa, inclusive alguns tribunais que flexibilizam princípios. Séculos de corrupção não podem esperar.

Processos lentos levam à impunidade da prescrição, a maioria escapa por este caminho, recursos e mais recursos, daí o motivo de o show continuar.

A condenação pela mídia ao menos dá a sensação de que houve alguma punição, a da execração pública, da prisão espetáculo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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