Coisas ridículas para roteiros

Tinha algumas pérolas quase indecifráveis, como ‘o quadro do peito que tomba’

Encontrei ontem, fazendo uma limpa no computador, um arquivo com o título: “Coisas ridículas para roteiros”.

Tinha algumas pérolas quase indecifráveis, como “o quadro do peito que tomba”. Logo que saí da casa da minha mãe e fui morar sozinha, pedi a uma amiga artista plástica que pintasse um quadro meu… peladona. E para que eu queria isso? Não faço a menor ideia.

O zelador faz-tudo pendurou a obra em cima da cama, notando que o quadro se inclinava para a esquerda. Ela desenhou o seio esquerdo bem maior que o direito, e o quadro —mistérios da arte— pendia para o lado da teta maior. Eu tenho muita vergonha de lembrar tudo o que eu fiz antes dos 30 anos.

Estava lá também anotada a minha paixão avassaladora por um escritor carioca que havia lançado um livro repleto de sexo, sobre a procura da mulher idealizada.

Eu devorei o texto e fui sedenta procurar pelo rosto por trás daquelas palavras tão provocativas. Cheguei ao Orkut do autor e não pude acreditar. Alto, de cabelos cacheados e olhos claros penetrantes. Passei seis meses mandando mensagens eróticas para o cara, até uma amiga me falar: “Não, doida! Essa foto é do Bob Dylan bem novinho”.

Um dia, na rua da escola, um motoqueiro se acidentou e ficamos todos impressionados com aquele jovem estendido no chão, esperando a ambulância. Parecia descaso. Foi quando o professor Claudio, de biologia, abdicou da lição sobre mitocôndrias para nos explicar a importância de jamais mexer no corpo de um acidentado.

Pois bem, no fim de semana seguinte, eu caí da bicicleta e fiquei totalmente imóvel, dura, sem abrir os olhos nem responder à minha mãe que gritava: “Pelo amor de Deus, fala comigo!”. Chamaram uma ambulância, e eu só tinha ralado o joelho.

Aos 16, eu namorava um moço que já tinha outra namorada e, com medo que ele fosse para a casa dela, o tranquei em meu quarto.

Ele começou a ficar muito nervoso (eu era menor de idade!) e deu vontade de fazer cocô. No meio da fuga até o lavabo, minha mãe acordou para seu xixizinho da madrugada e ele se escondeu entre os meus brinquedos, ao lado do Alf, o ETeimoso.

No susto, minha mãe, que estava dormindo sem calcinha, caiu de costas sobre o sofá, gritando: “Eu vou chamar a polícia!”, e ele então se ajoelhou de frente para a não calcinha dela, piorando por demais a situação, e implorou que ela não fizesse isso.

“Doce avariado” era sobre um paquera de internet que pegou mais de 14 horas de ônibus vindo do interior do Espírito Santo para me pedir em namoro e me trazer um doce caseiro feito pela avó.

Quando me viu, disse que me achou diferente da foto e que agora não sabia o que fazer com a compota da vovó, que estragaria em 12 horas. Ficou puto e preferiu jogar a iguaria fora a ter que me dar.

Ainda sobre minhas aventuras amorosas, me lembrei de quando saí com um estudante de filosofia sem saber que seu principal hobby, em vez da pesca, era o “machismo-tiozinho”.

Ao ver em seu carro o adesivo “Olha esse filezão que eu pesquei”, desisti do cinema.

O “kit putaria santo sudário” falava da vez que fui parada no aeroporto de Turim levando metade de uma sex shop (era um namoro recente com um italiano), e, quando me perguntaram o que eu estava fazendo naquela cidade, respondi que tinha ido conhecer o santo sudário.

Estou há mais de 24 horas tentando lembrar, sem sucesso, o que querem dizer as anotações “lhama amigo do Kiko com dengue”, “piroca-tecnia” e “umbanda sem cueca”. A idade traz muitos esquecimentos. Ainda bem.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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