Corrupção de sentidos

Ruy Castro – Folha de São Paulo

RIO DE JANEIRO – Meu amigo Raul de Souza, trombonista admirado nos EUA e na Europa e há muito radicado em São Paulo, fez outro dia uma de suas raras apresentações no Rio. Em certo momento, conteve a explosão de seu samba-jazz para lembrar Bangu, bairro onde nasceu, jogou pelada, trabalhou na fabulosa fábrica de tecidos e aprendeu +música. Raul tem até o título de um livro que gostaria de publicar sobre sua vida: “De Bangu a Hollywood”.

Hoje, ele só ouve falar de Bangu como um complexo penitenciário de segurança máxima, que abriga ou abrigou traficantes, assassinos, o ex-governador Sérgio Cabral e sua quadrilha e o ex-bilionário Eike Batista.

O status desses prisioneiros não o ilude. Raul preferia quando Bangu era o império da +++família Silveira e berço do craque Domingos da Guia (e de seu filho Ademir), do romancista José Mauro de Vasconcellos, do treinador campeão mundial Carlos Alberto Parreira, da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel e de banguenses honorários como Hermeto Pascoal e outro craque, Zizinho.

Os fatos corrompem as palavras. Por exemplo, a velha e deliciosa expressão “Conheceu, papudo?” ou “Tomou, papuda?”. É um jogo de palavras do folclore, originalmente associado às crianças, e que se dizia a alguém que falasse demais e se visse contrariado pelos fatos. Hoje, Papuda é também um complexo penitenciário, só que em Brasília, e que abriga ou abrigou elementos como o esperto guerreiro José Dirceu, o rocambolesco ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, o bandido chefe do PCC Marcola e, esta manhã, deverá receber Rodrigo Loures, o porta-malas de R$ 500 mil.

Por isso, Curitiba que se cuide. Para o ex-presidente Lula e outros desvalidos do foro privilegiado, esse nome não representa uma das cidades mais amáveis e amadas do país. É apenas sinônimo de cana.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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