Crivella quer ver a caixa do IPTU

Elio Gaspari – Folha de São Paulo

O prefeito Marcelo Crivella assumiu a Prefeitura do Rio com o pé direito, o que é alguma coisa, mas pode ser pouco, até nada. Governando a cidade do Carnaval, não se fantasiou de gari, como o doutor João Doria, de São Paulo. Para felicidade dos povos, anunciou a revisão da política de corso imposta ao Erário da cidade pelas isenções tributárias concedidas por mais de uma década.

O Rio de Janeiro tem 2 milhões de imóveis cadastrados. Seis em cada dez não pagam o Imposto Predial e Territorial Urbano, o IPTU. (Nada a ver com residências de favelas, comunidades ou coisas do gênero.) Essa estatística resulta da montagem de uma girafa com corcova de camelo e cabeça de tartaruga.

Na base esteve a ideia de isentar de IPTU os aposentados que tivessem mais de sessenta anos, apenas um imóvel com menos de 80 metros quadrados e renda inferior a dois salários mínimos. Vá lá. Depois entraram os teatros, escolas, clubes esportivos, sindicatos, associações de moradores, edificações de empresas agrícolas e editoras.

O que uma próspera editora tem a ver com um aposentado sexagenário que vive num pequeno apartamento de subúrbio, não se sabe. Mesmo com essa distorção genérica, é impossível chegar-se a 1,4 milhão de residências isentas de IPTU. Há gatos nessa tuba, dos gordos. (A decisão de Crivella, se for adiante, nada tem a ver com aumento de IPTU, será simplesmente a expressão de uma vontade de cobrar a quem deveria pagar, num Estado falido.)

Noutra gaveta estão as isenções de pagamento do Imposto sobre Serviços, o ISS, cobrado às empresas de ônibus. A prefeitura cobrava 2% sobre as receitas brutas e baixou o tributo para 0,01%. Foi um presente para a capitania do doutor Jacob Barata e sua corte da Fetranspor.

Ao conceder o mimo, a prefeitura argumentou que com essa ajuda as empresas poderiam moderar seus aumentos tarifários. Infelizmente, os donatários dos ônibus do Rio não conseguem oferecer os serviços que prometem. Metade da frota ainda circula sem ar refrigerado e 20% dela roda com vistorias vencidas. O mimo custa ao tesouro da cidade R$ 72,7 milhões anuais.

No seu primeiro dia de serviço, Crivella mostrou-se disposto a cobrar R$ 500 milhões de ISS às operadoras de planos de saúde. Esse é um caso diferente, pois enquanto os ônibus ganharam um mimo com o abatimento de um imposto devido, as operadoras sustentam nos tribunais que a cobrança é indevida. O prefeito Crivella abriu o caminho para um escambo tributário: “Se eles não podem pagar tudo, que nos ajudem com consultas, especialistas, exames e cirurgias de baixa complexidade”.

O Rio de Janeiro está onde está porque pedalou na bicicleta da criatividade tributária. Ajudou empresas perdoando impostos, derrubou a arrecadação e arruinou a rede de serviços públicos. Se os planos de saúde devem o ISS, têm que pagar.

Quem “não pode pagar” é a turma que está na fila dos ambulatórios públicos e o Brasil é o país com maior numero de bilionários produzidos pela rede privada de saúde. Se as operadoras não devem à prefeitura, Crivella precisa buscar recursos em outro lugar, deixando-as em paz.

Empresas ajudando o Estado e o Estado alterando normas para ajudar empresas é coisa que só acontece depois de boas conversas que, mais tarde, acabam em encrenca.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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