‘Day off’

Como seria um dia sem pensar, alheio ao pandemônio que assola o Brasil?

Há dias, caminhando sem pressa pelo calçadão do Leblon e concentrado na imperturbável pachorra do mar, dei-me conta de que levara uma hora sem me lembrar da turbulência que parece estar engolindo o Brasil —em que não se passam 24 horas sem um fato novo e grave. Perguntei-me se seria possível, sem sair do lugar, tirar um “day off” do país —um dia de folga, desligado, sem saber, sem pensar, sem me aborrecer e sem sofrer por nada.

Um dia alheio ao clima bélico armado pelo presidente Jair Bolsonaro, que está jogando os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário uns contra os outros, assustando parlamentares, militares, empresários, investidores, analistas, economistas e intelectuais, e que, de tanto ver inimigos em toda parte, está fazendo com que esses inimigos comecem a pensar em se tornar realidade. O que inclui, neste momento, gente que não tinha nada com isso e que ele ofendeu, como palestinos, chilenos e argentinos; os partidos políticos, loucos para se jogar nos seus braços, e que ele despreza, como se não precisasse deles; e, por enquanto, 15% dos seus eleitores.

Um dia indiferente ao pandemônio instaurado por Bolsonaro dentro de seu próprio governo ao desqualificar ministros, cometer tuítes de que é obrigado a se retratar e abalar áreas sensíveis como educação, direitos humanos e exterior, entregues a cabeças de bagre. Um dia sem ver conquistas, estabelecidas há décadas pelos profissionais dessas áreas, correndo risco e fazendo do Brasil uma piada internacional.

Um dia sem os disparates de Moe, Larry e Shemp —digo, Flávio, Carlos e Eduardo. E um dia à distância do astrólogo e cowboy Olavo de Carvalho, em quem os eleitores de Bolsonaro, sem saber, votaram para presidente.

Talvez, neste momento, esse “day off” seja impossível. Mas, a continuar assim, o próprio Bolsonaro logo nos proporcionará um longo “day off” dele próprio.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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