De Guimarães.Rosa@edu para Dilma@gov

Presidenta,

No seu primeiro discurso de posse, vosmicê me chamou de “poeta da minha terra” e lembrou umas linhas que escrevi (“O correr de vida embrulha tudo. […] O que ela quer da gente é coragem”). Não mencionou meu nome. No Itamaraty, cansei de escrever para os outros sem que me lembrassem. Era meu ofício. De qualquer forma, obrigado pelo “poeta”. Chamo-me João, há quem diga Guimarães, ou mesmo Rosa.

Estive ontem com o Raul de Vincenzi, diplomata como eu, mas homem bonito. Lustrava o governo do Juscelino porque o acompanhava como chefe do cerimonial. Ele foi embaixador no Chile do general Pinochet. Nessa função, em janeiro de 1980 defendia o interesse do nosso país para que empreiteiras nacionais construíssem a hidrelétrica de Colbun-Machicura. Os amigos do Planalto queriam que a obra fosse entregue sem licitação, pelo sistema de porteira fechada, que os americanos chamam de turn-key. Os ministros civis de Pinochet não gostavam da ideia, e o chanceler disse ao Raul que a norma chilena era a da licitação, mas sabia que o presidente João Batista Figueiredo tinha “interesse especial” pela escolha de uma empresa brasileira. Não lembrava o nome, mas saiu da sala e voltou com a informação: “Engesa/Odebrecht”. (A Engesa, a senhora sabe, fabricava armas e já faliu.) No mesmo dia, o Raul encontrou-se com o general-chefe do gabinete pessoal de Pinochet, mencionou o assunto e ele lhe disse: “Vocês não estão dando nome aos bois”. Raul pôs tudo isso no papel. O chanceler Ramiro Guerreiro, que também está aqui mas não fala, só mexe a cabeça, acrescentou outra informação durante um despacho com Figueiredo: “O coronel Sérgio Arredondo, ex-adido militar do Chile em Brasília, teria aludido que a preferencia de Vossa Excelência recairia sobre o consórcio Engesa/Odebrecht, dada a tradição mantida no Chile e o estrito relacionamento da primeira empresa com autoridades militares chilenas”.

Deu redemoinho no Planalto. As coisas eram como eram, mas não deveriam ser ditas. Figueiredo contou que o coronel Arredondo tratou do assunto com ele, mas tinha dito apenas que a Odebrecht era uma empresa de confiança. Um embaixador que contou o que lhe disseram e um chanceler que mostrou o que sabia desarmaram os poderes do mundo. Os chilenos licitaram a hidrelétrica e a manobra da porteira fechada falhou. Digo-lhe que esse Arredondo, antes de montar cavalos com Figueiredo, estivera na “Caravana da Morte”, uma tropa de jagunços que saiu pelo Chile matando gente.

Fazem falta gente como o Raul e o Guerreiro? Sinais a senhora teve, mas mandaram que calassem a boca. Sei mas não digo.

A senhora sabe que eu escrevi: “O diabo na rua, no meio do redemoinho”. Não faça mau juízo do redemoinho da rua que a senhora viu no domingo. No meio dele não estava o Tinhoso. O Capeta, Coxo, Capiroto, Coisa Ruim, finge que está, mas não está. No meio do redemoinho da rua estavam o juiz Sérgio Moro e o Ministério Público. Entre nesse espetáculo. Proclame por uma vez que não tem diabo nenhum, não existe, não pode. Viver é negócio muito perigoso, mas as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas. Tenha coragem, é tudo o que a vida lhe pede.

Respeitosamente,

João Guimarães Rosa

elio-gaspariElio Gaspari – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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