De liberdade de pensamento – e imprensa

Escalada preocupante de investidas contra a liberdade de pensamento (CF, art. 5º, inc. IV), mais especialmente contra a liberdade de imprensa (CF, art. 220). Agentes do Poder Executivo, do Presidente da República a Governadores, de Ministros a Secretários de Estado têm instado a opinião pública a fechar questão contra a liberdade de pensamento.

Renato Kanayama*

Nenhuma reação dos Parlamentos, de coluna vergada pelo fisiologismo, esquecidos de que a liberdade de opinião, palavra e voto (CF, art. 53) está compreendida na liberdade de pensamento, cerne inalterável da Constituição (CF, art. 60, § 4º), parafraseando a locução de Pontes de Miranda sobre a rigidez constitucional (Democracia – Liberdade – Igualdade), cerne que rege a orientação filosófica, política e jurídica das demais normas constitucionais.

Tampouco reação do Judiciário, que tem mantido, por intermédio dos Tribunais, algumas investidas contra a liberdade de pensamento, como no caso de ação judicial de parente do Presidente do Senado movida contra O Estado de São Paulo, perdendo a oportunidade de impedir que essas decisões possam produzir o “efeito do arrefecimento” – chilling effect –, do direito americano, que é o temor que essas decisões podem causar a futuras manifestações do pensamento, funcionando como verdadeiras censuras prévias, omissões desses Poderes que garantem a supremacia do Executivo e deserção ao equilíbrio que devem manter nas relações – independentes e harmônicas – entre si (CF, art. 2º).

Fosse a História a advertência para, principalmente, não se repetirem erros, e os Parlamentos, compulsando os anais, já teriam reagido a essas investidas contra a liberdade de pensamento, ouvindo a parlamentares que reagiram e fizeram uma História diferente da que vivemos hoje. Mais particularmente ouviriam a Afonso Arinos de Melo Franco, para se fazerem à imagem e semelhança dele, que defendeu e cumpriu a Constituição, os valores nela expressos ou implícitos, como a liberdade de imprensa, para serem, enfim, menos esse núcleo de moral mole vergada pelo fisiologismo.

Por que ouvir mais a Afonso Arinos? Porque lavrando voto que ofereceu à Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados a propósito do projeto governamental que tratava da liberdade de imprensa, Afonso Arinos lembrava do perigo de pequenos meios de fuga admitindo a violação ao princípio da liberdade de imprensa, como aquele do governo soviético, que adotou um sistema de eliminação dos direitos individuais de que o monopólio sobre a imprensa é um dos aspectos. Do nazismo, que regulando a profissão de jornalista definiu que esta era um serviço público, e por conta disso a transformou em dócil instrumento à disposição de um grupo de governantes criminosos e fanáticos, pois minuciosamente regulamentada pelo Estado. Do fascismo, que exigia da imprensa a defesa dos interesses do Estado.

Lembremos, pois, Afonso Arinos e esqueçamos dos Parlamentos de agora, que omitindo reação contra essa escalada para restringir a liberdade de imprensa se aproximam da técnica habitual dos liberticidas – e muitos deles, fantasmas da ditadura estadonovista[atualmente, fantasmas da ditadura da militar], se encontram novamente em postos de governo no Brasil – que é denunciar os vícios da imprensa corrompida e tirar daí medidas repressivas para toda a imprensa; como se a corrupção de alguns pudesse justificar a supressão da liberdade de todos e, principalmente, como se nos regimes sem liberdade a corrupção não fosse muito pior, as injustiças muito maiores, a morfinização e o engodo do povo muito mais propícios aos crimes e abusos do poder.

Ainda que tenhamos casos na imprensa de transformação da liberdade em instrumento de calúnia ou injúria, de desmoralização, de crime, até mesmo, a liberdade de imprensa tem por finalidade a verdade e o direito, não os ataques grosseiros, os sarcasmos, as perfídias, a desordem e anarquia, como advertia, já no Século XIX Pimenta Bueno, mas melhor que tenhamos a imprensa livre do que nos livrem da imprensa.

Fundamental para isso que escolhamos sempre parlamentares que reajam às tentativas claras ou subliminares de restringir a liberdade de pensamento, nos despindo de sentimentos que possam nos fazer enrubescer daqui a alguns anos, para que possamos preferir, como preferiu Clémenceau, segundo Afonso Arinos, ser governados por homens honestos chamados de ladrões, do que por ladrões chamados de homens honestos.

(* Texto produzido quando O Estado de S. Paulo foi submetido a censura judicial a matérias sobre negócios da família do ex-presidente José Sarney. A censura só veio a ser suspensa quatro anos mais tarde.)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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