Donald Trump e a direita que ganha poder usando como contraponto os equívocos da esquerda

Os políticos do Partido Republicano se articulam para aprovar a toque de caixa, como se diz aqui na terra do Zé Carioca, o nome de Amy Coney Barret para a Suprema Corte dos Estados Unidos. É óbvio que pretendem com isso dar uma mensagem de impacto eleitoral sobre objetivos práticos do voto em Trump. Os democratas reclamam, alegam que ao eleitor deveria ser concedido o poder desta decisão, mas isso não é verdade. Os republicanos têm no histórico a mesma alegação, quando impediram a nomeação de um juiz do Supremo no último ano do primeiro mandato de Barack Obama.

Claro que os republicanos mentiam, mas os democratas não deveriam se fazer de surpresos, pois afinal sabem ou não sabem que estão lidando com vigaristas? O Partido Republicano é hoje em dia uma mera sigla dominada por trapaceiros, com os políticos tradicionais do partido aceitando até a submissão a um forasteiro da política, este vigarista que apareceu apenas para ganhar mais dinheiro e arreganhar a economia americana ao deleite de seus amigos ricaços.

Trump não é nada mais que um reacionário, sem nenhuma base cultural ou qualquer doutrina, pessoal ou coletiva. Sua contribuição ao conservadorismo é paradoxal, pois tem feito mais que a esquerda para enterrar esta ideia, tornando-a um mero repositório confuso de temas polêmicos e escolhidos apenas pelo potencial eleitoral, com preferência pela facilidade na manipulação. Um conservador como Winston Churchill dizia que contra Hitler se aliaria até ao demônio. É provável que hoje em dia preferisse também o tinhoso do que aceitar certas figuras alegadamente conservadoras.

Vale qualquer coisa para esse tais “conservadores”, sem que o debate ou materialidade do objeto em discussão estabeleça de fato uma diferença de qualidade na vida das pessoas. Atualmente levantam a questão do aborto a todo momento — até nesta indicação de uma nova juíza —, mas pode ser que um dia apontem a unha encravada como um ponto determinante para as nossas vidas. Só depende de unha encravada dar voto.

Tudo bem, Donald Trump é um idiota com um discurso impactante em uma parcela de eleitores, com uma esperteza que já foi suficiente para dar-lhe um mandato. São falas e apenas isso, com temas desconexos que de modo algum se juntam organicamente para se compor em uma transformação real. É a cultura do desmonte, que espalha apenas ignorância. Claro que isso abalou o partido de Barack Obama, dos Clinton e lá de trás, de John Kennedy, mas como eu já disse, esbagaçou igualmente o conservadorismo na sua vitalidade filosófica, anulando seus valores efetivos.

No entanto, não existe vitória que não venha do contraponto ao vigor do adversário, que pode deliberadamente ser usado como alavanca ou ter este efeito como um desenvolvimento natural. É de onde surge a força desse tipo de aventureiro. O sufoco do Partido Democrata para derrotar um ogro como Trump vem de dificuldades criadas por eles próprios, com este mistureba de politicamente correto e desarmonia racial e de gênero, com ideias atravessadas que desestabilizam conceitos morais das pessoas sem trazer um sólido ponto de apoio para a mudança radical de comportamento. Eu os chamo de jacobinos do bem, sempre surpresos quando são suas cabeças que rolam, afinal não é justo que isso aconteça com progressistas.

Para espertalhões como Trump basta gritar contra a atrapalhação do discurso divisionista da esquerda na vida das pessoas, até porque esquerdistas atuam politicamente como se todos tivessem que aceitar com naturalidade mesmo as maiores mudanças. Usando este clima conturbado, políticos como Trump não precisam apontar nenhum caminho, até porque não sabem nem estão interessados para onde devemos ir.

A indicação de Amy Coney Barret é um lance dessa desconstrução, sendo que neste caso, independente de eu achar que não passa de mais uma movimentação intuitiva do espertalhão de cara alaranjada, foi uma tacada genial, que poderia inclusive servir para uma boa avaliação crítica das bobajadas perigosas da esquerda sobre conceitos equivocados sobre raça e gênero, que somos obrigados a aturar por décadas.

Uma mulher relativamente jovem e de cara amistosa, mas crente de ideias e posturas reacionárias é um golpe certeiro na visão equivocada da esquerda sobre questões de gênero e de raça, naquela batida muito chata e perigosa, que já deviam ter revisto com os anos de Margareth Thatcher no poder, de que a entrada da mulher na política ou em qualquer esfera de poder traz naturalmente com elas não só mais qualidade técnica e política, como essa fantástica revisão do desenvolvimento da humanidade será inevitavelmente progressista.

Bem, já faz bastante tempo que quando aparece na minha frente esta tola concepção sexista eu tenho que perguntar se afinal as mulheres não são seres humanos. No poder, já provaram que são, fazendo o melhor e o pior do que os homens já foram capazes, à esquerda e à direita. Amy Coney Barret, tendo do outro lado Kamala Harris, em breve estarão com bastante espaço para comprovar esta igualdade.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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