Assim nasceu, viveu e morreu o Nicolau – VI

Paulo Roberto Ferreira Motta é advogado, procurador do Estado e foi chefe de gabinete do então Secretário da Cultura René Dotti.

Wilson Bueno tinha lá suas implicâncias com o teatro. Nada que assistia gostava. Acho, hoje, que, como as peças de teatro são apresentadas à noite, batia no Bueno a síndrome de abstinência do álcool e ele perdia a paciência. Contudo, como editor tinha que publicar matérias sobre o tema. Passou a me pedir colaborações. No número 4, eu lá estava com Meyerhold: Aluno de Stanislavski e professor de Maiakovski e Eisenstein. No número 10, emplaquei Brecht – um simpático senhor de 90 anos. Bertolt Brecht havia morrido em 1956, mas em fevereiro de 1988, se vivo fosse, faria 90 anos. Peguei uma série de seus textos e formulei perguntas cujas respostas estavam nos escritos dele. No número 17, saiu Arrabal: a dramaturgia dos escombros edipianos. No número 33, entrou O Homem que continua com fome, comemorando os 100 anos de Oswald de Andrade.

Naqueles tempos, o Plano Cruzado fez água e a hiperinflação explodiu, coisa de 20%, 30% ao mês, chegando, no final do governo Sarney, aos 70% em 30 dias. O preço do papel foi parar nas alturas. O Nicolau, apesar do apoio da Imprensa Oficial e do Banestado, corria riscos. Para não morrer deixou de ser mensal e passou a ser bimestral, aumentando, para compensar um pouco, o número de páginas de trinta e duas para quarenta. Depois, com o fracasso retumbante do Plano Collor, passou a ser trimestral e com quarenta e quatro páginas.

Com a posse do Roberto Requião, o Nicolau não sofreu qualquer solução de continuidade e permaneceu acumulando prêmios como se viu. O novo governador era colaborador do jornal. Quando o Nicolau fez seis anos, publicou um texto saudando o jornal e dizendo da sua importância para a história do Paraná. Requião deixou o mandato antes do fim para se candidatar ao senado e foi sucedido pelo vice, Mário Pereira. A Secretaria da Cultura passou a ser ocupada pela Gilda Poli. Era sopa no mel. Wilson Bueno continuava nadando de braçada. Na época, ganhou o já relatado prêmio de melhor jornal cultural da América. O Banestado, mesmo com as trocas de governo, continuava comparecendo.

No início dos anos 90, Nicolau conseguiu a sua maior epopeia, dentre tantas que viveu: foi o único jornal do mundo a publicar uma entrevista com o Dalton Trevisan. O autor da façanha foi o Araken Távora. Entretanto, essa é uma história para se contar outro dia.

Formalmente, Nicolau viveu 11 anos, de 1987 a 1998. Só que morreu antes. Com a vitória de Jaime Lerner, o Secretário da Cultura passou a ser o Dr. Eduardo Virmond. Extraordinário advogado, intelectual sério e sólido, teve um papel muito importante na redemocratização do Brasil, organizando, como Presidente da OAB-PR, a Conferência Nacional dos Advogados do Brasil em Curitiba, momento a partir do qual a “Abertura do Geisel” deslanchou, inicialmente com o retorno do habeas corpus aos presos políticos. Mas ele tinha outras ideias para o Nicolau. Achava o jornal muito caro, feito para uma pequena elite de pessoas. Não houve acerto e Wilson Bueno e a sua equipe deixaram o projeto. Trocaram farpas pela imprensa e Bueno, lá pelas tantas, perdeu as estribeiras.

A nova equipe foi infeliz. O Nicolau morreu ali, mesmo ainda vegetando alguns anos. Quem conta com detalhes é a Maria Lúcia Vieira, na sua dissertação de mestrado no Curso de Letras da Universidade Federal do Paraná, texto encontrado, via Internet, na Biblioteca Virtual, banco de teses, da UFPR.

A nova equipe assumiu no número 56. Fizeram um número especial sobre os 50 anos da vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, quando todos os jornais do mundo estavam fazendo isso. Depois, enfiaram um poema no meio do logotipo do jornal. A capa ficou irreconhecível. O material que o Wilson Bueno havia deixado e que era legível, foi descartado. Depois, virou um cadáver insepulto. Dava pena, vontade de chorar. A tiragem caiu. A periodicidade passou, por absoluta falta de colaboradores, a ser cometa, ou seja, saia de tempos em tempos. Em 4 anos de gestão, lançaram apenas 5 edições. Como deixou de ser encartado nos jornais, era distribuído sabe-se lá como. Ninguém dava a mínima importância.

Com a reeleição de Jaime Lerner, assumiu a Secretaria de Estado da Cultura Lúcia Camargo, que nos deixou no último dia 20 de julho. O Nicolau, como dito antes, havia se transformado num cadáver insepulto e o cheiro era nauseante. Ninguém aguentava mais. Lúcia fez o que deveria ser feito. Nicolau foi fechado. A Secretaria da Cultura, por ordem de Lúcia Camargo, digitalizou alguns números (da fase Wilson Bueno) e os veiculou no site oficial. No último final de semana, entrei lá e nem rastro encontrei. A Cultura virou uma subsecretaria no atual governo, vinculada à Secretaria de Comunicação, e não há, no sítio oficial, nem uma palavra sobre o Nicolau.

Mas nem tudo se perdeu. Em setembro de 2014, a Biblioteca Pública publicou uma edição fac-similar dos primeiros 60 números do Nicolau (toda a fase de ouro by Wilson Bueno e os números da nova equipe). A edição foi distribuída às bibliotecas públicas e a diversas instituições culturais de todo o Estado. Até um tempo atrás, não sei como está agora, a BPP dispunha de exemplares para venda.

Quando saiu do Nicolau, Bueno voltou para a Assessoria de Imprensa do Guaíra, era servidor do órgão. Não aguentou muito tempo, saiu depois de alguns dias. Recebeu inúmeros convites da imprensa de todo o país. Não aceitou nenhum. Penso que depois de dirigir a redação do melhor jornal cultural da América, não teria paciência para entrar e conviver em outra. Passou a viver apenas da literatura, além da coluna que retomou n´O Estado do Paraná. Era frugal, poucos gastos, os direitos autorais lhe permitiam sobreviver.

Nos seus 61 anos de vida, Wilson Bueno nos legou 23 livros. Vinte e dois nasceram nas maternidades de Curitiba, Ponta Grossa, São Paulo, Rio, Florianópolis, Buenos Aires, Santiago do Chile, Cidade do México, Havana, Assunción e Montevideo.

O 23º morava na Ébano Pereira 240, muito embora a entrada, pros íntimos, fosse pela Saldanha Marinho, e se chamava Nicolau. Retiraram ele do pai, Wilson Bueno, depois do número 55 e o mataram, sem dó nem piedade, não sem antes exibirem o cadáver pelas ruas por quatro longos e sufocantes anos.

Wilson Bueno morreu em 31 de maio de 2010. Viveu como Jean Genet (com a observação de que não era ladrão) e foi morto como Pier Paolo Pasolini.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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