Duas ou três coisas que sei dele: o cinema

1. Se dois tiras tomam café em copo plástico e comem sanduíches enquanto estão de campana dentro de um carro, o filme pretende ser cult. 2. Hannah e suas irmãs, do Woddy Allen, pra ser uma obra-prima como eu imagino, só precisava ter sexo explícito. 3. Não importa a alta tecnologia – laser, raios cósmicos, desintegração, etc. – usada para que as facções se destruam, a luta final tem que ser corpo-a-corpo, na porrada. E o bandido morre de queda num buraco sem fundo, em chamas, explodindo. 4. Pra ganhar Oscar de melhor filme, não é preciso ter melhor roteiro, nem melhores atores, nem melhor diretor, fotografia, montagem, música. Muitas vezes, nem precisa ser o melhor filme. 4.a Os 50 e poucos segundos em que o saco plástico esvoaça junto à parede, com locução em off, em Beleza Americana, contêm mais cinema do que em toda a filmografia brasileira dos últimos 30 anos. 5. A chuva de sapos de Magnólia é absurdamente cinematográfica. 6. Fellini, Bergman, Woody Allen, Buñuel. E podem fechar as cortinas. 7. As cópias dos filmes brasileiros ficam verdes em dois anos. 8. Os filmes brasileiros ficam verdes em um ano. 9. Os trailers de hoje são fantásticos. Vendem qualquer porcaria com dinamismo, cortes, música, voz, efeitos. Se eu pudesse, ficava só vendo trailers. 10. Devia ter prêmio (Oscar, Leão de Ouro, etc.) para melhor trailer.

11. Os filmes mais chatos do Planeta são os do Eddy Murphy. 12. Whoopy Golberg é intragável. 13. Um filme com Eddy Murphy e Whoopy Golberg passaria no dia do Juízo Final para os que fossem pro Inferno. 14. Os filmes de arte passam sempre às três da manhã na tevê aberta. Dublados. 15. Abro a cortina para François Truffaut: Meu tio da América. E F for fake, do Orson Welles. 16. Cinema é vida. Se alguém vai só pra se distrair, perde vida. 17. Impossível ver hoje filme de ontem com olhos de ontem. 18. Se o filme de ontem me olha hoje com olhos de hoje, sorte dele. 19. Barry Lyndon, Stanley Kubrick, de 1975, é para sempre magnífico. Uma pintura! O melhor filme já feito. Seria um Proust na tela. 20. Os grandiosos filmes de hoje – Titanic, Guerra nas Estrelas, Parque dos Dinossauros – não valem nada se não for apresentado o making of. Para que a gente acredite na fantasia é preciso que tirem a fantasia do filme.

21. Um filme hoje não é igual aspirina. Às vezes leva anos para que um faça efeito na minha vida. Diferentemente de quando assistia a filmes de faroeste quando era pequeno e já saía do cinema andando com as pernas arqueadas igual ao mocinho e com as mãos espalmadas pronto pra sacar o revólver. 22. Pegar um filme qualquer pela metade na tevê e gostar: eureka! 23. As cenas de caçada aos cavalos —  mustangs — é ‘coisa de cinema’ no filme Os desajustados (Marilyn Monroe, Clark Gable, etc.) Arrepiante, tocante, emocionante. 24. A primeira vez que gostei de balé na vida foi assistindo ao Amor Sublime Amor, de Robert Wise. E foi a última. 25. Nos filmes, nenhum casal tem mau-hálito de manhã cedo na cama. 26. Sempre que está passando E o vento levou… na tevê, pego na cena em que a Scarlett jura que não vai mais passar fome. E saio fora. Nunca assisti mais que isso desse filme tão famoso. 27. Tem filme que reconheço por uma mínima cena, um fotograma apenas entrevisto na telinha. 28. Tem filme que juro que vi, mas não lembro absolutamente nada, nada. Tipo Men in black. 29. Tem filme que esqueço de propósito, me condenando por ter ido na conversa – vai que é ótimo! – de colegas. Tipo Quem vai ficar com Mary? E outros que esqueci até o título.

30. Nenhum filme ruim jamais ressuscitou com uma revisão. 31. Alguns filmes bons também não ressuscitam. 32. Guerra nas Estrelas – A ameaça fantasma – é um vômito de imagens. E, como tal, fede. 33. Quando o filme de ação tem dois nomes masculinos no cartaz e o feminino está escrito em corpo menor, é só porrada. 34. Todo filme de desintegração amorosa violenta começa com cena tórrida de sexo, que também é a última. Vide Atração Fatal, Dormindo com o Inimigo, etc. 35. Assisti a um filme do Mazzaropi – Sai da frente! – em que, numa roda de samba, todos os batuqueiros e sambistas eram brancos! Dizendo no pé e na mão! 36. Vi o outdoor de um filme de Robin Williams, que era sobre um casal, mas o único nome, e que aparecia em grande evidência, era o do ator. Estranho mundo de Hollywood. Cada vez mais os atores estão fazendo dois ou mais papéis num só filme. Argh! 37. As comédias ditas escatológicas são apenas isto: feitas para quem tem prazer de sentir náuseas e vomitar a pouca cultura que conseguiu fora do cinema. 38. O problema de ir à cinemateca assistir a antigos filmes de arte é encontrar os cinéfilos antigos da antiga cinemateca. 39. Missão Impossível 2 é uma grande sacanagem até para quem o filme é dirigido. Durante a sessão inteira de porrada e cacetada, só duas cenas fizeram as crianças e os jovens timidamente se manifestarem.

40. Barba e cabelo são coisas que nunca crescem num filme nos mocinhos. 41. Um minuto depois de uma chuvarada, os atores entram numa casa e estão sequinhos. 42. A grande diferença entre um filme erótico e um pornô é que no pornô pelo menos o homem tem que estar visivelmente excitado. 43. O melhor do cinema é pegar um filme de repente na tevê e não conseguir mudar de canal. Nem que tenha futebol ao vivo noutro. 44. Poderia parodiar Mallarmé? “A carne é triste, e eu vi todos os filmes, todos.” Ah, os anos 60! 45. Antes o cinema era feito de imagens. Hoje são só trucagens. 46. O cinema de ação de hoje é um videogame sem joystick. 47. Poderia lembrar de mil imagens de cinema que me fizeram soltar as palavras em noites de intermináveis discussões. São todas de filmes da década de 60, que hoje já podem ser considerados antigos. 48. Filmes ‘recentes’ que recendem: Babel, Closer, Encurralados, Tudo pode dar certo. 49. Mate o cinema e vá à família.

*Rui Werneck de Capistrano faz vídeos pra matar o tempo e o cinema

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Duas ou três coisas que sei dele: o cinema e marcada com a tag , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.