Dúvidas de um ignorante

Não entendo nada sobre porcaria nenhuma. Sou um jovem cronista ignorante (não tão jovem para ser tão ignorante), e isso não é novidade para ninguém. O único ponto em que concordo com os colunistas de direita é quando afirmam que sou um idiota. O que continuo sem entender é por que perdem tanto tempo afirmando uma obviedade. Não saio por aí gritando que a Terra é redonda ou que vamos todos morrer. Ok, eu gritei essas coisas no Carnaval, mas estava sob efeito de psicotrópicos.

Minha sorte é que escrevo crônica. Não preciso fingir que sei alguma coisa. Muito pelo contrário: preciso de um exercício diário de ignorância para nunca deixar de ser leigo. Afinal, o mundo está o tempo todo tentando te empurrar certezas goela abaixo.

Não pensem que é fácil não saber nada sobre coisa nenhuma quando o mundo sabe tudo sobre todas as coisas. Basta um atentado atribuído ao Estado Islâmico para descobrir que todos ao seu redor são peritos no Alcorão. Basta um processo de impeachment para descobrir que todos os seus conhecidos são juristas renomados.

Cuidado: a doença do especialismo é altamente transmissível. Passe um tempo curto nas redes sociais e, quando você menos espera, tcharã, você se tornou um especialista. Em poucos minutos, você já está apontando culpados e proferindo sentenças.

Não tenho acesso às contas de Lula nem às minúcias da Lava Jato. Isso só quem parece ter é o Moro e os jornalistas do seu círculo íntimo. Não faço a menor ideia se Lula cometeu algum desvio, mas tampouco Moro ou os jornalistas parecem fazer ideia: as acusações parecem manchetes da “Tititi” –ou, pior, de “O Globo”. “Assistente de estagiário de advogado teria suposto que Dona Marisa comprou um pedalinho.” O mesmo não se pode dizer sobre Cunha, Calheiros e tantos corruptos comprovados que não estão passando pelo mesmo constrangimento.

Não sei nada sobre porcaria nenhuma. Mas parafraseando Guimarães Rosa: desconfio de muita coisa. Desconfio, inclusive, de Lula, assim como desconfio de qualquer juiz que tenha uma relação tão promíscua com a imprensa, assim como desconfio da polícia e de quem tira selfie com ela, assim como desconfio do “Jornal Nacional” e, na mesma medida, de quem aplaude o “Jornal Nacional” –sim, o mesmo jornal que elegeu o Collor e hoje brada contra a corrupção.

É preciso saber um pouco menos ou saber que se sabe muito pouco. Desconfio que o que mais faz falta nesse Brasil tão cheio de certezas é um punhado de dúvidas.

gregorioduvivier

Gregorio Duvivier – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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