É possível unir por uma causa quem pensa diferente, diz Paula Lavigne

Paula Lavigne, criadora do movimento 342 e responsável pela mobilização de artistas

Na terça-feira 26 de setembro, o Diário Oficial da União publicou decreto do presidente Michel Temer que revogava a extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados, a Renca. O fim da reserva mineral, criada em 1984, no período do general João Baptista Figueiredo, fora decidido, em 23 de agosto, numa canetada presidencial.

O recuo veio após intensa pressão e campanha de um grupo que reunia entidades da área ambiental, como o Greenpeace, intelectuais, políticos e celebridades –entre as quais a supermodelo Gisele Bündchen, a quem Temer prometera numa rede social não editar o decreto.

No centro da articulação estava o movimento 342 Agora, uma parceria da empresária da área de música Paula Lavigne, 48, e do ativista Pablo Capilé, 35, um dos fundadores do coletivo Fora do Eixo e da Mídia Ninja –redes de atuação cultural e midiática ligadas a pautas de esquerda.

O 342 Agora é o nome de um site criado pela dupla para cobrar e pressionar parlamentares. O número corresponde a dois terços da Câmara dos Deputados, fração necessária para aprovar emendas constitucionais.

Adotando transitoriamente o nome de 342 Amazônia, o movimento inundou as redes sociais, levou artistas a Brasília, ecoou no Rock in Rio e conseguiu o que queria.

“A Amazônia é uma causa que une muita gente e a receptividade foi enorme”, diz Lavigne. “Unir” é um dos verbos mais conjugados pela empresária, interessada numa política de causas que não se filie a este ou aquele partido. “Claro que sempre no campo progressista”, ressalta.

Lavigne, casada com Caetano Veloso, tem um passado de militância em temas de seu interesse profissional, como direitos autorais. Nesta entrevista, concedida em seu apartamento no Rio, ela conta um pouco da história de seu ativismo, comenta críticas que sofre nas redes sociais e garante que não é candidata “a nada”.

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Folha – Como você começou a se engajar em ativismo político e na luta por causas?
Paula Lavigne – Eu era uma ativista e não sabia. Sempre tive essa energia pró-ativa. Comecei a atuar mais focada em política cultural. Desde a discussão da Lei do Audiovisual, eu me envolvi com esses assuntos, até que há quatro anos abrimos o Procure Saber [associação sem fins lucrativos composta por autores e artistas ligados à música] da qual sou presidente. A partir dali, eu fui aprendendo os métodos de militância, como estar presente na luta por causas e como obter resultados.

Quais foram as primeiras causas?
Quando começou a CPI do Ecad (2011) eu conheci o Pablo Capilé, do Fora do Eixo e da Mídia Ninja. Também conheci o Randolfe Rodrigues (senador da Rede Sustentabilidade pelo Amapá) e o pessoal do Grupo Pró-Música, que vinha discutindo as questões do direito autoral.

Foi quando começamos a discutir a lei para regulamentar a gestão coletiva de direitos autorais. E o resultado foi muito bom. Logo depois vieram outros casos, como a PEC da Música. Tivemos várias vitórias nesses assuntos, até que veio o golpe e tudo voltou à estaca zero.

Temer logo que assumiu anunciou a extinção do Ministério da Cultura (MinC), o que gerou forte reação do meio artístico.
Sim, e nós participamos do movimento Ocupa MinC. Fizemos uma série de shows e conseguimos nosso objetivo. Foi ali que a gente viu que poderia ter resultado atuando em questões específicas, com pessoas que lutam pela mesma causa embora pensem diferente em muitas coisas.

Você conseguiu reunir os chamados “coxinhas”e “mortadelas” em seu apartamento, o que causou estranheza em alguns. Com foi isso?
Foi na época da mobilização pela PEC das Diretas. Reunimos artistas e botamos 100 mil pessoas em Copacabana. Queríamos ter um enfoque mais amplo para atrair pessoas que estavam a fim de protestar mas não queriam necessariamente estar envolvidas com propostas mais radicais ou com partidos.

Naquele momento, duas pessoas foram muito importantes na tentativa de reunir artistas que apoiaram o impeachment e artistas que foram contra o impeachment –o Wagner Moura e o Tico Santa Cruz [vocalista da banda Detonautas].

Fizemos então a reunião que a imprensa chamou de reunião de “coxinhas e mortadelas”, e vimos que havia uma união em torno da ideia do Fora Temer. Mas alguns achavam que essa palavra de ordem remetia muito ao PT. Saímos então com a hashtag Temer Jamais.

Algumas pessoas que hoje se dizem de direita na verdade não são de direita, elas estão é revoltadas e deixaram de acreditar num determinado modelo de esquerda. Não estou dizendo que a direita não exista, claro, ela está aí. Mas tem gente que acha que a direita é a saída sem ter nenhuma intimidade com essas ideias. É raro você ter uma reunião na minha casa com “coxinhas e mortadelas” em que as pessoas não sejam, por exemplo, a favor da descriminalização da maconha e da descriminalização do aborto. Isso já te leva para a esquerda.

Depois de afastar a primeira denúncia, Temer lançou o decreto da Renca. Por que você decidiu entrar nessa causa?
A gente estava no pós-depressivo da derrota da primeira denúncia quando saiu o decreto. Não que agente achasse que um grupo de artistas ia conseguir fazer a denúncia passar e derrubar o Temer. A gente sabe como as coisas funcionam. Resolvemos aproveitar que já tínhamos uma mobilização e manter o movimento baseado no 342 Agora para lutar contra o decreto. A Amazônia nos deu mais certeza ainda de que o que faz a gente se unir são causas.

Na campanha contra o decreto você pela primeira vez fez uma reunião em São Paulo?
Sim, na casa da Marina Person, com pessoas que estavam com esse mesmo sentimento. Isso é um sintoma que está se manifestando em várias áreas da sociedade, por que não na classe artística? Na reunião de São Paulo tinham roteiristas, atores, jornalistas, publicitários, escritores, tinha de tudo. São Paulo é sério, no bom sentido, em termos de organização. Foi um ponto determinante na campanha do 342 Amazônia.

Você é criticada por atuar num meio restrito e tem quem ache que você está se aproveitando dessas causas e dos artistas.
Você atua numa área e nas redes sociais a pessoa vem e fala: “Ah, mas e os professores do Rio que estão sem receber?” Parece que você pode resolver todas as causas do mundo… Claro que a gente queria que fosse muito maior, mas é uma coisa que eu faço por militância própria, nas horas que eu posso. Eu não preciso me aproveitar de nada, esse é o meu mundo, eu lido com artistas. Pelo contrário, isso me toma tempo, me toma dinheiro, energia, concentração. Não preciso me aproveitar até porque eu não tenho pretensões políticas, não tenho pretensão de me candidatar a nada.

Você tem recebido pré-candidatos à Presidência em seu apartamento para que eles falem a convidados da classe artística, intelectuais e ativistas. O 342 vai apoiar uma candidatura?
Não vejo o 342 apoiando candidato. Claro, por exemplo, que se o Bolsonaro crescer eu vou me unir a um opositor dele, seja o Lula ou quem for, embora eu pessoalmente prefira que a gente não tenha uma situação polarizada entre Lula e Bolsonaro.

Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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