E se já estivermos todos mortos?

caadáver-com-etiqueta

É preciso amar as pessoas como se não houvesse wifi….

-… e se já estivermos todos mortos, já pensou nessa hipótese? Se tudo é um mero sonho – ou pesadelo – coletivo, adquirido, herdado? Estamos todos mortos e é por isso que nesse limbo levamos essa medíocre rotineira e chinfrim vidinha merreca, a terra mesmo só um geoide aterro sanitário em que estão depositados todos os vermes do espaço. A sociedade, no pântano da condição humana, e nós refletimos isso, assim, a escória social inumana, porque todos vivemos entre o sub e o sobre do escárnio, da impostura, da falsidade-modelo, e, talvez, mas só talvez, sobrevivermos de alguma forma é isso mesmo, comermos o capim pela raiz da mesmice, quando, aqui e ali emergirmos dessa alienação coletiva. Sim, caras pálidas, é isso. Estamos todos mortos de alguma maneira…

-… mortos desde que saímos do maravilhoso planeta barriga de nossa sagrada mãe reprodutora, para o estrume sócio-idiotizante desse inacessível chão… Mortos em nossa infância por termos um teatro de marionetes do absurdo nos representando o que deveríamos copiar, lição marota, como macacos com o rabo entre as pernas, mortos na juventude para parecermos que éramos o que não éramos, trabalhar, estudar, comer, marchar, cumprir a missão de sermos bonzinhos-jecas-coxinhas-daslu iguaizinhos uns aos outros, seguindo a manada, no redil das aparências, meros receptáculos com nossas cabeças penicos do modus operandi oferecido pela elite burguesa, de seguirmos cagando e andando na passeata de margens plácidas e barrancos fakes, feito uma massa de manobra, e acreditando em coisas bizarras que nos dopam tanto para que, afinal, rendidos, acreditemos, ou seja, também mortos no amor, na sensibilidade… na lucidez. Onde já se viu isso. Pois é… mortos de alguma maneira…

-… mortos culturalmente, para não parecermos radicais, anarquistas, extraviados, rebeldes sem calças, então acabamos manés, coiós, coxinhas-daslu, mortos na subjetividade, soamos o que não somos, parecemos que somos mas não somos, latindo no quintal para economizar cachorro, para, iludidos, seguimos falso-firmes  pelo próprio open-doping da mídia em que somos socioidiotizados, bebemos a grife, comemos a grife, fazemos gangues, turmas, antros, somos tribais com nossos novos cincerros, celulares, tabletes, acervos de achismos e roubismos, seguimos o modismo de nadas e ninguéns, repetimos o refrão que a amoral mídia suja dita, e vamo-nos imundos como se fôssemos humanos, modernos, inteligentes, superiores, mas estamos todos mortos… sentiu o cheio de fusível queimado?
Labirintite, estresse, hérnia, próstata, depressão…

-… mortos canibais, como zumbis, comendo carniça e arrotando espuma tóxica, mortos vampirizando pais, esposa, filhos, funcionários, subalternos, sugando o sangue do tipinho inferior, posando de donos da verdade, criticocozinhos pífios de ocasião de uma hora pra outra, comendo capim e arrotando caviar, com roupas de grife e cérebros vazios, pós-graduação em tecnologia inútil porque está na moda, amante porque o lar está ferrado, cocaína porque a seco o rojão pesa,  cuidado frágil, seres de latões, tipinhos caras de pau, acreditando piamente em falsos santos de pau oco, acreditando que fugindo para Miami Esgoto nos finais de semana limpamos a nossa consciência de isopor transgênico, viramos o rosto para o morador de rua, fechamos o vidro do carro importado com medo do flanelinha migrante, depois colocamos o patuá orgânico e vamos rezar repetências pedindo a um Deus tipo bizantino que nos guarde e nos salve em nosso bunker-casulo-máscara, em nosso condomínio de arame farpado, em nosso apartamento-cela, onde de quatro nos restamos prisioneiros de nós mesmos, com nossa cela epidérmica… nosso tubo-sanitário… Já pensou em que gaiola você sobrevive, e essa panca burra toda com aquela opinião deformada sobre tudo?

-… estamos todos mortos, camaradas, mortos de alguma maneira, o álcool, o rivotril, o Hipoglós, o ego doentio, édipo manco, como evoluídos do macaco mas ainda estamos pendurados em cipós de aparências, comendo a banana da opinião rastaquara e tendenciosa dos outros, coçando a oxiurose com medo de que descubram que, na verdade mesmo, somos outro, somos falsos, somos bugios enrustidos, não o que aparentamos, e assim estamos mortos em nossa própria identidade-endereço, mortos como seres, feito reses enquadrados, com a ossada de nossa rude vida-refil sendo preenchida por poses e posses de brucutus, opiniões de pena de morte – mas só para os outros – quando, sem saber, estamos mortos nessa pena de vida à qual fomos condenados e nem sentimos, porque, insensíveis, xingamos o governo de corrupto, quando votamos em corruptos e corruptores impunes de antes, uma oposição de corruptos e ladroes, a pior oposição da história da república, e assinamos embaixo como bestas quadradas, e rudes por má formação de caráter de família e ancestrais, xingamos a presidenta Dilma de vaca, de dentuça, de podre, de burra, enquanto a patroa rumina a nossa libido decadente, a nossa moral choca, a nossa improbidade camuflada, e queremos derrubar um ex-presidente, quando as nossas ações e reações são nefastas, no cocho das vaidades… plim plim…

Temos santa de barro em casa, nos dizemos kardecistas, somos a pátria, a família, a liberdade e a propriedade, e a fome gerando lucro, e mentimos para os descendentes inocentinhos e usados com cabrestos adquiridos, e nos achamos chiques como se com etiquetas-cravos de pangarés, burros xucros na sociedade anônima e anômala…

-… estamos todos mortos. Somos fantasmas. Já se olhou no espelho hoje? Olhe e veja-se. Se encontrou? Quem sou eu aquilo? Meu Deus, o que eu fiz de mim depois de tudo o que fizeram de mim? Trocamos a fechadura, mas não a ferradura. Sorria, você está sendo idiotizado. Estamos todos mortos, o pilhado coração com gordura saturada, o espirito atribulado com fés inquisitórias de arapucas bizantinas, da idade das trevas medievais, a alma dilacerada de animais estúpidos, e vamos nos sentido o rei da cocada preta, odiamos pobres, negros, índios, nordestinos, comunistas, favelados, tachamos os que nos criticam de petralhas, e vamos babando a gosma de nosso ódio, de nossa vingança católica-tantã, quizilentos como animais que não tomaram vacina contra raiva, e odiamos a copa, só agora, odiamos o governo, só agora (antes fomos omissos, coniventes e partes da quadrilha neoliberal do neoescravismo da terceirização inumana com godê), odiamos tudo o que nos mandam odiar, como ovelhas tosquiadas, porque queremos ser o que não somos… e parecermos bezerros de ouro desmamados, e o cincerro nos chama, mas não há mais mata-burros, por isso ainda apodrecemos com moderação…

-Por fim, estamos mortos. Meça-se. Sinta-se. Pense. Pensar pode…  Faz quanto tempo você não perdoa, não abraça, não ama, não vive realmente? E aquela viagem? E aquele curso? E aquele sonho impossível? E a infância perdida? E o chicote queimado das aparências, e o pular carniça da saudade-tambor?… E a juventude transviada, radicais com grife, revoltados de condomínios com guaritas? E aquela fome de bola, de viço, de poesia, de arte como libertação/levitação? Perdeu, perdeu, perdeu! Perdeu pra você mesmo. Repetiu de vida? Poucos são chamados e nenhum escolhido. Em que monturo-partido-recreio, dopado, você se perdeu de si? O mundo acabou, camarada, e só os poetas é que não foram avisados. Estamos todos mortos. Sentiu o cheiro do relê queimado, do motor fundido, do acelerador com milha vencida, do transistor canibal? Sentiu o cheiro de chifre queimado, de vela de porco derretida em altares pagãos da sociedade-nojo, da igreja-curral, do padre-circo, ou do fumo especial do guarda-noturno cego?

Estamos todos mortos. Vai encarar? Seu GPS devia ser sua consciência, sua memória ancestral… DNA? Dano Não Auditado… Estamos todos mortos e você aí querendo a volta dos que não foram, fazendo parte da banda dos contentes feitos um asnonauta repetindo lepo-lepo feito um aleijado por dentro, um ilhado em causa própria, pifado, pirado, malhado, e se achando.  Não se enxerga? Inferno somos ‘nosotros’…  Estamos todos mortos e regurgitamos o vagido instintal muito além da mortalha da vaidade, numa carranca sistêmica customizada. Pois é, pra quê?  Estamos  todos mortos mesmo! O câncer final é a nossa maior melhor rebeldia contra todo esse estado de coisas no regurgitar do psicossomático como um vagido instintal… Isso, vomite… vomite… Faz pra pose.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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