Embargos de exaltação

Corrigiu-se a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), na quarta-feira (17), de uma declaração que ainda assim prolonga seus efeitos negativos sobre o ambiente político. Às vésperas do julgamento, em segunda instância, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por crime de corrupção passiva, o mundo petista intensifica sua mobilização —no que, com os excessos passionais compreensíveis pela conjuntura, recebe o contraponto estridente do lado oposto.

Já seria o bastante —e manifestações de parte a parte, num caso polêmico, têm sua legitimidade. Mas a senadora resolveu ir além. Quis, ao mesmo tempo, incendiar de vez a militância que resta a seu desmoralizado partido e impor clima de coerção ao julgamento. “Para prender o Lula”, ameaçou Gleisi, “vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente”.

Note-se, de passagem, que toda liderança política irresponsável e delinquente fala com facilidade em derramamento de sangue, desde que se trate do sangue alheio.

Não se ofereceu, a própria senadora, em sacrifício. Seriam outras as pessoas disponíveis para morrer em nome dos ideais e dos delírios que defende em gabinete.

Feito o apelo, formulada a chantagem, lançado o disparo na escuridão, Gleisi sopra a fumaça com um sorriso. “Somos da paz e vamos em paz”, declarou no dia seguinte. Usou o escape de atribuir a militantes anônimos, que teria ouvido em caravana pelo Nordeste, frases corroborando o que dissera.

Como presidente do PT, acrescenta, de todo modo, que a violência poderá “infiltrar-se” nos atos pró-Lula, e que seria risível atribuir ao partido a responsabilidade pela segurança em tais eventos.

Nunca se deram maiores confrontos em decorrência dos reveses dos petistas na Justiça e na política. As declarações desastrosas de Gleisi refletem apenas o fato de que, em vez de se dirigir a um público mais amplo, a senadora restringiu seu discurso à franja mais extremada dos correligionários.
A provocação foi aceita, como não podia deixar de ser, pelos exaltados do MBL (Movimento Brasil Livre). Estes, depois de breve interlúdio visitando exposições de arte para flertar com a censura, recomendam a aplicação da Lei de Segurança Nacional contraa senadora. É o liberalismo em transe.

Enquanto isso, o país aguarda com expectativa, mas com serenidade, o julgamento de uma Justiça independente —do qual se poderá, amplamente, recorrer. Até a senadora, de resto, conseguiu rever suas próprias sentenças, ainda que sua incitação e irresponsabilidade, sem constituírem crime, dificilmente se perdoem.

Editorial – Folha de São Paulo

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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