Eduardo Bolsonaro e a direita que não assume sua verdadeira cara

Eduardo Bolsonaro trouxe um evento internacional de direita e para isso usa dinheiro público. Como já é de praxe dizer, temos uma direita com hábitos muito parecidos com os da esquerda. Como se não bastasse se alimentarem mutuamente, ainda fazem da política uma farra em proveito próprio. O evento é promovido todos os anos nos Estados Unidos desde 1973 e já foi realizado algumas vezes no Japão. A Conferência de Ação Política Conservadora, o CPAC Brasil, terá seu custo bancado pelo instituto Índigo, vinculado ao PSL. A verba é do fundo partidário, de modo que a conferência começa de modo apropriado: tem a cara da direita brasileira.

A edição brasileira começa nesta sexta-feira em São Paulo e não promete nada de especial. Dificilmente escaparão do palavrório sem fundamento, trazendo uma séria discussão de ideias. A direita tem uma dificuldade histórica no terreno do pensamento político, por isso quem é de direita costuma se apresentar como conservador, como é o caso dessa conferência em São Paulo. O interessante é que acabam desfazendo na prática o que temos ouvido bastante nos últimos tempos, sobre o surgimento no Brasil do orgulho de ser de direita, depois de muitos anos em que ninguém tinha a coragem de declarar-se nesta posição.

O problema para a direita é arrumar fundamentos respeitáveis para defender sua visão tosca de mundo. Se for questionado sobre o assunto, um direitista vai acabar citando algum pensador conservador, o que obviamente é muito diferente como posição política. A direita tem também um passado de trevas, o que complica na sustentação política e na articulação de uma linha histórica. E não adianta vir com fake news dizendo que nazismo e fascismo eram de esquerda. A mentira histórica é de fazer Hitler e Mussolini se revirarem nas suas covas.

Este é um estigma que aflige líderes direitistas em todos os cantos. Na França, por exemplo, Marine Le Pen brigou publicamente com o próprio pai Jean-Marie Le Pen, líder histórico da direita francesa expulso pela filha do partido fundado por ele. O rompimento entre pai e filha foi para evitar a contaminação política do partido Frente Nacional com o legado histórico da direita francesa, profundamente negativo, com a marca na memória da colaboração da direita com a força de ocupação dos nazistas da Alemanha, na Segunda Guerra Mundial e o governo colaboracionista de Vichy, a grande vergonha francesa.

Voltando ao Brasil, o exemplo de Marine Le Pen serve também como referência do problema da direita brasileira para encontrar um pensamento político aceitável e com algum fundamento que possa ser levado a sério. Logo que Jair Bolsonaro foi eleito, jornalistas tentaram criar uma relação de ideais entre Marine e Bolsonaro, comparação repelida por ela com vigor. Foi muito esperta. Não seria nada sensato aceitar uma associação com alguém que não consegue ter reações adequadas nem em situações banais da política, além do tosco repertório de manifestações pessoais, onde não dá para extrair nenhum pensamento substancial, a não ser insultos, palavrões, xingamentos e uma total incapacidade de ouvir o que o outro tem a dizer.

Existe também sua galeria de ídolos, com destaque na relação de governantes de nomes como Alfredo Stroessner e Augusto Pinochet, que além de assassinos foram também ladrões. Com a ajuda de um estudioso, Bolsonaro poderia exaltar também os esquadrões paramilitares da direita em vários países, muitos deles subvencionados, treinador e armados por organizações da direita americana e pelo próprio governo dos Estados Unidos, como os chamados “Contras” da Nicarágua, que nos anos 70 e 80, logo depois da revolução sandinista, torturavam e matavam professores em aldeias afastadas para evitar qualquer progresso que na visão deles pudesse favorecer o governo sandinista.

Bolsonaro é uma figura política lamentável, mas para ser de direita no Brasil não há outro jeito, senão o de sustentar barbaridades do tipo que são ditas por ele, com as grosserias e seus tolos enganos, baseados em uma visão equivocada que não resiste a uma mínima avaliação de fatos históricos. O sujeito é sincero. Pelo menos cita Brilhante Ustra em vez de José Guilherme Merquior. Nisso ao menos Bolsonaro não mente: na doutrina de direita em terras brasileiras é preciso ressaltar a importância de tipos como Stroessner e Pinochet, cabendo também um lugar, digamos, de honra, ao sempre citado torturador Brilhante Ustra, tomando-se o cuidado inclusive de não misturá-los a figuras como o general Ernesto Geisel, que na cabeça dessa gente tinha uma certa queda liberal.

Quem é que pode encarar um panteão de restos mortais como estes para formar a base de um pensamento político? Está certa Marine Le Pen de ter escapulido rápido de certas referências tropicais. Daí este subterfúgio direitista também no Brasil, desta conferência da CPAC, que se apresenta como um movimento conservador. Conservador de jeito nenhum. São direitistas. Ao contrário do que dizem, o que conservam é a vergonha de assumir integralmente esta posição política. Para ser coerente, esta conferência deveria ter como epígrafe uma frase de Brilhante Ustra, talvez acompanhada de algo de Stroessner e Pinochet ou então uma fala do brigadeiro Burnier, envolvido no plano de explodir uma bomba durante um show no Riocentro, no final da ditadura, em 1981, que mataria centenas de jovens espectadores se não explodisse acidentalmente no colo de um oficial do Exército, conforme o que foi revelado depois por aquele velho militar que até hoje essa direita não aceita, o general Geisel.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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