Ele não serve como exemplo

Peço licença para me retratar perante o distinto público, antes que caia sobre a minha cabeça a fúria dos deuses do Olimpo. Na semana passada, ao maldizer a conduta e o voto do ministro Gilmar Mendes, no deplorável julgamento da chapa Dilma-Temer, pelo TSE, dei graças aos céus por ainda existirem juízes como Herman Benjamim, Rosa Weber e Luiz Fux. Urge que eu retire da relação o citado Fux.

Depois do escrito e publicado, arrependi-me, pois me lembrei de que o indigitado ministro Luiz Fux não pode nem deve ser apontado como exemplo de julgador. Foi bem na discussão da legalidade da eleição do preemedebista acoplado à petista, mas tem, na carreira judicante, alguns nódulos que emporcalham a sua trajetória.

Cito apenas um, suficiente para justificar a retirada do meu louvor: a decisão de s. exª. de conceder, nos idos de 2014, o auxílio-moradia para toda a magistratura federal, seguida da investida da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) pleiteando a extensão do belo benefício a todos os juízes do Brasil – o que, de fato, ocorreu, com a ajuda do Conselho Nacional de Justiça.

Essa bondade é um dos absurdos que enodoam e desonram a toga dos eminentes magistrados, desgastando-a, sobretudo, perante a opinião pública – fato, aliás, reconhecido por boa parte dos próprios beneficiados.

Como observou na época o jornalista Rodrigo Deda, na falecida edição impressa da Gazeta do Povo, a concessão do ministro Fux começou por descumprir a emenda constitucional 19/1998, introdutora do § 4º do artigo 39 da Constituição Federal, que impede membros de poderes de receber qualquer outra vantagem adicional remuneratória que não seja o vencimento.

Fux, não obstante, por via tortuosa, vislumbrou um inexistente caráter indenizatório no auxílio-moradia, imune, portanto, aos efeitos do § 4º, ao limite salarial, a desconto previdenciário e à cobrança de impostos. Ora, indenizatório, como o próprio nome está a dizer, significa indenização, ressarcimento por prejuízo causado ou recebido. Além do que, pressupõe tempo determinado, finito. Bem diferente do caráter pretendido pelos eminentes magistrados e deferido pelo ministro Fux. E assim os homens da capa preta passaram a perceber (e continuam percebendo) um acréscimo remuneratório, indiscriminado e pré-fixado, independente, inclusive, do fato de já possuírem residência própria.

Quer dizer, com seu contorcionismo decisório, o exmo. Ministro Fux não apenas vitaminou os holerites de magistrados, procuradores, membros do Ministério Público e conselheiros dos tribunais de contas, esses últimos agraciados em nome de uma tal de “simetria”, como atropelou a lei maior e prestou um enorme desserviço à sociedade brasileira que paga a conta.

Por isso, não pode nem deve ser citado como exemplo de julgador e seu nome é deletado do texto por mim escrito e aqui publicado em 13 de junho corrente.

Perdoe-me pela impropriedade, mestre Zé Beto. Na minha idade, apesar do cuidado, isso às vezes acontece. Esqueci-me de que uma pessoa não pode ser julgada por um único ato e que é sempre temerário elogiar homens públicos e autoridades, ainda que usem togas ou becas.

Célio Heitor Guimarães

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Ele não serve como exemplo e marcada com a tag , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Os comentários estão encerrados.