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Santos-Dumont só viajava de navio, e JK detestava escutar o ‘Peixe Vivo’

Vêm me dizer que o bilionário Bill Gates, fundador da Microsoft, passa o dia lendo livros, jornais, documentos –não nos tablets e smartphones que fabrica, mas no arcaico e confiável papel. E que Mark Zuckerberg, criador do Facebook, também regula o tempo que suas filhas passam diante dos celulares–no máximo, uma ou duas horas por dia. Gates e Zuckerberg são sensatos. Evitam o veneno que servem ao resto do mundo.

Significa que nem sempre as pessoas se confundem com o que as tornou famosas. Santos-Dumont, por exemplo, não viajava de avião, só de navio. E olhe que, em 1932, quando ele morreu, a aviação comercial já operava com segurança. Há outros exemplos. A estrela Joan Crawford, herdeira da Pepsi-Cola, não bebia seu refrigerante. Preferia o Johnny Walker. E Garrincha, quase um sinônimo do futebol, não gostava de futebol. Pelo menos, não de assistir –só de jogar.

Frank Sinatra, o ouvido absoluto, a Voz, tinha um tímpano perfurado, provocado por um fórceps desajeitado em seu parto. As incontroláveis Mae West e Dercy Gonçalves, que levaram a vida falando duplos e triplos sentidos, tiveram vida sexual paupérrima –podem ter passado mais de meio século sem praticar. E Fred Astaire detestava os aparatos que compunham sua indumentária no cinema: o fraque, o colarinho tico-tico, a cartola. Na vida real, quando estreava um terno, rolava no chão para amassá-lo e fazê-lo parecer usado.

Juscelino Kubitschek não aguentava escutar o “Peixe Vivo” –aonde quer que fosse, logo aparecia uma banda para tocá-lo. Paulo Francis, tão exigente em literatura, balé e ópera, relaxava quando ia ao cinema –gostava mesmo era dos filmes de pirata e espadachim com Errol Flynn.

E quando os locutores gritam “festa na favela!” a cada gol do Flamengo, podiam gritar também “festa nas coberturas!” –porque o Flamengo impera igualmente nas coberturas do Leblon.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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