Etiqueta para um mundo desetiquetado

Nesse ambiente pré-histórico que virou esse mundo pós-moderno, é bom se diferenciar. Para que não pensem que você é o mais selvagem na selva de pedra, convém seguir instruções mal instruídas:

Em eventual assalto simultâneo a uma mesma vítima, lembre-se de que tem precedência o assaltante que tiver a arma de mais grosso calibre.

Se lançar lixo pela janela do carro em movimento, respeite os princípios básicos da reciclagem: jogue restos orgânicos pelas janelas do lado direito e material seco pelas janelas do lado esquerdo.

Quando levar seu cão para passear não esqueça do saco plástico para recolher o cocô do animal nas calçadas e gramados. Se ele não fizer, recolha pelo menos o seuNas pichações residenciais e nos edifícios públicos e comerciais, expresse-se no seu estilo. Mas quando

pichar monumentos e prédios tombados, não banque o iletrado: capriche na caligrafia. Sempre que utilizar o celular em locais impróprios – cinemas, teatros, elevadores, câmaras ardentes –, grite baixinho, sem ultrapassar uma hora de conversação.

Nos casos de atropelamento e fuga, deixe um MP3 tocando Bach para o atropelado. Ao fumar onde é proibido, nunca fume mais que dois cigarros (ou cigarrilhas ou charutos ou cachimbos) simultaneamente.

Nas vezes em que se julgar mal-atendido em restaurante ou loja, ao demonstrar a sua frustração considere a hierarquia funcional: xingue os empregados, esbofeteie os gerentes, pisoteie os proprietários.Seja qual for o estabelecimento, não fure filas. Apenas fale bem alto ou tussa na direção da nuca à sua frente, pise o calcanhar, até a desistência dessa pessoa. Repita o procedimento até a eliminação completa da fila. Mas não fure.

Em elevadores lotados, só solte puns oriundos de uma alimentação balanceada, rica em fibras e sem agrotóxicos.

No transporte público, ao sentar-se nos lugares reservados a idosos, pessoas com deficiência e gestantes, antes de determinar-se a permanecer irremovível, sempre argumente que o aviso foi mal redigido, que preferencial não é obrigatório. Antes de sair escarrando a esmo na via pública, treine adequados pedidos de desculpas para cada tipo de transeunte acertado.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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