Mural da História

Sofro de dor de cotovelo. Não a dor de ciúme ou despeito por desastres do amor. Falo da dor insuportável da artrite reumatoide, que em meu caso sempre começa pelo cotovelo esquerdo e depois se espalha por todas as articulações.

Não desejo artrite nem para os inimigos. Mentira, desejo sim. Não há nada pior. Na crise, fico travado. Qualquer movimento provoca dores insuportáveis. Eu, que em dias normais me declaro agnóstico e livre de superstições, apelo para todos os santos, para os orixás da umbanda, para Maria Bueno e para quem mais puder providenciar intervenção divina.

Não acredito que haja outra dor tão terrível. Não me venham com crise renal, dores do parto ou do trigêmeo. Artrite é brutal e se espalha pelo corpo inflamando as articulações. No meu caso, raro, atinge as articulações dos membros inferiores. Fico imobilizado. Ensandecido. Capaz de atribuir o sofrimento a uma praga de inimigo. Ou inimiga.

Da outra dor também sofri. Muito. Mas para a dor moral há medicina. Tempo, distância e consciência das ilusões perdidas são remédios infalíveis. Associados a novo amor, é cura definitiva que evita o hábito romântico e pouco higiênico do suicídio.

Duro é segurar a dor da artrite. Quando vem, inicio a escalada dos medicamentos disponíveis. Começo pelos analgésicos. Em doses mamutianas. Agrego os anti-inflamatórios pesados. Logo imploro morfina e a presença salvadora de meu médico para esses achaques, o sábio Sebastião Radominski.

Ele merece um busto em homenagem à sua paciência e à sua medicina. Basta uma injeção e a dor desaparece. Corticoide. Logo aparecerá alguém para relacionar os efeitos colaterais. Retenção de líquidos, inchaços e, em longo prazo, mazelas que é melhor não lembrar. Que fazer? Na hora da dor, prefiro qualquer outra doença que não seja artrite reumatoide.

A artrite reumatoide (AR) é enfermidade autoimune sistêmica com predileção pelas articulações periféricas. É a mais comum das doenças reumáticas intiamatórias. Atinge de 0,5% a 1% da população mundial. Tive a má sorte de entrar nessa estatística muito antes de nascer. Pela frequência da artrite na minha árvore genealógica paterna, não tenho dúvida que essa mazela vem de longe.

Há quem confunda artrite com artrose. Sâo doenças completamente distintas. A artrite reumatoide compromete o estado geral da pessoa, produz abatimento, cansaço e perda de peso. Há inflamação, tumefaçâo e avermelhamento da articulação. A dor é contínua mesmo em repouso e o artrítico levanta-se com muita dor e rigidez. Quer castigo maior do que esse? A artrose, ao contrário, é dor mecânica que se sente depois de usar a articulação. A cartilagem diminui e deixa de amortecer a pressão e o atrito entre os ossos. Os ossos se tocam e se desgastam. Mas a dor da artrose é dor vespertina e alivia-se com o repouso. A pessoa pode levantar-se dolorida e sentir um pouco de rigidez, o que lhe dificulta o início do movimento. Porém, em alguns minutos a rigidez desaparece e a pessoa pode movimentar-se normalmente.

Também não confundam artrite reumatoide com outros tipos de artrite. A artrite reumatoide é diferente da artrite degenerativa, que compromete a cartilagem articular e atinge joelhos, articulações coxofemorais e a coluna espinhal. A artrite gotosa é a gota. O ácido úrico aumenta e se infiltra nas articulações, especialmente dos pés. E há a artrite psoriática que na verdade é a psoríase, a doença que produz uma escamação na pele e pode evoluir para um quadro de dores articulares.

Como se vê, tornei-me um especialista em artrite. Se serve de consolo para outros que padecem da doença, há estudo que informa que não há notícia de artríticos que sofram de burrice. Sofrem de maus bofes, que a dor justifica. Mas de burrice, que é grave, incurável e muitas vezes transmissível, disso estamos livres.

Do livro A Árvore de Isaías, Travessa dos Editores

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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