Felipe Hirsch – 59

Esses meninos e meninas que crescem em cidades como Nova York são tão mal acustumados. Eles passam assim suas adolescências, com o Radiohead nas suas esquinas. O R.E.M era um sonho distante. Isso nos fazia tão decididos a conhecê-los mais e mais. Vivemos boa parte das nossas vidas para eles. Seguindo os passos, de longe, no tempo e no espaço, como astrônomos que estudam imagens de uma cratera na lua. Nas cidades pequenas, nossos amores são platônicos. E são muitos, muitos. R.E.M é só um bom exemplo. Um exemplo que uso agora porque, semana passada com o fim da banda, eu e todos meus amigos perdemos algo ou, quem sabe, só nos lembramos do que, normalmente e dolorosamente, com o tempo se perde. Não é que eu não simpatize com esses jovens ao meu redor, hoje, nesse show do Radiohead, no Roseland Ballroom. Gosto de observá-los, voyerísticamente, detalhadamente. E mesmo os vendo assim, com suas cabeças iluminadas, enterradas em seus iphones, silenciosos entre si, teclando, percebo seus tédios. Sim, existe o tédio das pequenas cidades e o tédio das cidades grandes. Duas meninas mais espertas ao meu lado riem e dizem: “Câmeras! Vocês não vão se lembrar disso! Vivam o momento! Mimados por todas as suas possibilidades, viciados em seus apps, meninos e meninas de Nova York assistiram a mais um show do Radiohead. E foram até carinhosos, levantaram o rosto de suas telas por três ou quatro vezes para vislumbrar os artistas. Alguns “indies” mais velhos denunciavam que a banda já é um clássico de quase duas décadas.

King Of Limbs é o trabalho mais estranho, aparentemente sem foco, sem o passo à frente dos outros trabalhos. Percebendo mais, nos sensibilizando mais, enfim, pensando mais, é possível ver que o passo foi conscientemente dado no escuro, flutuando em algum lugar (no limbo?) em busca de formas. Instintivo, bastante emocional, mas pensado, realmente experimental.  Como sempre, um som cristalino, perfeito e capaz, usado em sua amplitude. Weird Fishes/Arpeggi foi hipnotizante, Subterranean Homesick Alien (tocada pela primeira vez desde 2003) incrivelmente delicada. Cruzei o calor e o frio da luzes de leds e neons do Times Square, voltando para o hotel, refletindo a experiência. Será sempre uma noite inesquecível. Noite que devo ao meu amigo, o arquiteto Isay Weinfeld. Figurar numa lista de convidados do Radiohead foi um dos pontos altos da minha vida. Porque eu não nasci em Nova York. Eu nasci em Ipanema, cresci em Curitiba, e posso explicar cada imagem de Wave que tocava no restaurante ao lado, antes do show.

 No fim, o Radiohead, todos da banda, agradeciam, batedo palmas para o público. O R.E.M. acabou, com trinta e um anos de história, agradecendo ao seus fãs por deixá-los fazerem parte de suas vidas. Como diz meu amigo Caio Marques, o final mais classudo da história. New Adventures in Hi Fi, Automatic For The People, Murmur, tantos discos maravilhosos. Sempre fizeram parte das nossas vidas, é uma verdade histórica. Mas que histórias são essas? Sempre ouvíamos na Sutil, entre amigos, no squat. Em 1997 ouvíamos E Bow The Letter, em 1998 ouvíamos Up e viajamos juntos para ver o show com neons, como esses, e músicas inéditas de Reveal (um disco sobre um verão místico que conseguiu ampliar a fase inspirada e, injustamente, não respeitada).

E até agora, tocava a linda Überlin no início de Trilhas Sonoras de Amor Perdidas. Sempre ímpar, Bad Day é uma obra prima. Vê-lo, Michael Stipe, cantando Seven Chinese Brothers, ouvir Monster pela primeira vez, ver Losing My Religion pela primeira vez (você lembra? que impressionante!), saber que Patti Smith chorou, quando ainda não os conhecia, quando ouviu The One I Love. O silêncio da última estrofe de Man On The Moon com Michael Stipe caminhando de costas, num posto de gasolina ou bar, com um chapéu de cowboy. E amigos!, ouvir New Adventures in Hi Fi pela primeira vez. O single mais dark, aquela carta-canção escrita às quatro da manhã dentro de um ônibus. No vídeo da música, cheio de imagens de estradas, cores baixas, horas mágicas, lâmpadas fluorescentes, alumínio e céu, um rosto das sombras do esquecimento se insinuava: era o retorno de Patti Smith (hoje, todos com seus exemplares de Apenas Garotos nas mãos).

Thom Yorke cantou: this one goes to “the one I love”. Uma homenagem a banda que ele, garoto, também amou. Ele é de Oxford. Está certo Oxford não é Curitiba, mas é bastante tediosa também. Como disse Peter Buck na sua despedida da banda: “Eu sei que vou reencontrá-los no futuro, meus amigos, ou numa loja de discos da nossa cidade (elas não existirão) ou em pé, no fundo do bar, assistindo a um grupo de meninos de 19 anos tentando mudar o mundo (esses existirão?). Eu não conheço mais esses meninos e meninas. Nem os daqui de Nova York e nem mais, o tempo voa, os de Curitiba. Eu só sei que tudo em sua forma evolui, mas a essência da busca é similar, ou a mesma. Foi e sempre será como quando ouvi Spike do Elvis Costello pela primeira vez (assisti por aqui a Revolver Tour e contarei). Em 1989. O ano em que tudo mudou. Hoje, não existem mais obras assim? É claro que sim. E desconfio que elas estejam surgindo de dentro daquelas telas iluminadas de smartfones. De lá, também, devemos ouvir a comemoração entre amigos, o testemunhar do mundo que se cria, a sensação doce da formação em conjunto, coletiva, dividida, das grandes e pequenas descobertas. Uma banda como o Radiohead, que criou The Bends, Ok  Computer, Kid A, In Rainbows, talvez não saiba mais guiar isso, como um dia o fez, inesquecívelmente.  Agora eles correm por fora, por dentro deles, e talvez ainda surpreendam e nos façam levantar as cabeças ocupadas, com as mensagens de nossos blackberries, para reve-los.

Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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