Felipe Hirsch – 60

Vi aquele show incrível da Beth Gibbons no Tim Festival. Depois, ela assistiu o Lambchop do meu lado, me pediu fogo e eu não tinha, um dos maiores fracassos da minha vida. E eu não sabia se assistia ao show ou ficava olhando pra ela fumando. Naquele tempo fumava-se. Linda, cool, com aquela voz de Mysteries ou cantando Candy Says do Velvet na minha cabeça. Tantos anos depois, continua tudo assim. Eu nunca tinha visto o Portishead. Poucos viram, eles não tocam há 13 anos na América. Escolheram o sensacional Hammerstein Ballroom, em Nova York, com sua acústica e som perfeitos. O show começa com a abertura de Three. Sete das onze do três são tocadas. Entre elas, a linda Magic Doors. Threads, como no disco, encerra o show, curto mas inesquecível. Do clássico Dummy, tocam Mysterons, Sour Times, Wandering Star, Roads e Glory Box, todas desesperadamente adoradas pelo público. Cowboys e Over, do segundo disco. Chase The Tear, o último single também foi tocado. Tudo é tão delicado que parece escapar da razão e se alojar nos sentidos. Música e imagens flutuam ao redor, e a voz de Beth Gibbons. Ela não fuma no palco. Não pode mais fumar no palco? É isso? Eu perdi algo? Como é que o Keith Richards faz? eu penso. Eu quero ver a Beth Gibbons cantando e fumando! Eu não quero viver num mundo em que a Beth Gibbons não possa fumar, e cantar Roads pra mim, pra nós. Sei, eu já entendi que é perigoso. Quando fizemos Som & Fúria no Sesc Anchieta, na temporada de 2000, acomodávamos umas 140 pessoas nas escadas, no chão do teatro. Não tinha lugar pra pisar, todos abraçados, como num show de rock. Isso não pode mais. Sempre penso que se aquelas pessoas queriam arriscar suas vidas pra ver uma peça de teatro é um sinal de que havia, no teatro, uma coisa interessante o bastante para arriscar a vida. Enquanto as pessoas quiserem arriscar um pouco suas vidas por uma peça de teatro, está tudo bem com o teatro. Fora essa digressão, Beth Gibbons estava lá, de novo, ao alcance da minha paixão. Dessa vez, enchi meu casaco de isqueiros, mas ela nem passou perto de precisar o mínimo de mim. Nem sei se ela fuma mais. É uma pena pro mundo, se a Beth Gibbons não fuma mais. Agora eu estou aqui, no deserto, vim parar em Las Vegas para o Shakedown, Festival de Garage, Punk e outros Rockabillies, aqui do lado do Flamingo. Segunda vou encontrar o Portishead em L.A e depois no teatro grego de Berkeley. É um vôo longo entre Nova York e Los Angeles para a Beth Gibbons sem fumar. Esse ano, o Portishead fez a curadoria do ATP (All Tomorrow’s Parties). Em Alexandra Place, em Londres, e aqui na América, em Asbury Park. Na Europa teve PJ Harvey, Grinderman, Godspeed You! Black Emperor. Nos Estados Unidos teve Battles, Horrors, e, principalmente, Jeff Mangum do Neutral Milk Hotel. Ele andou tocando pelas ruas do sul de Manhattan durante os protestos em Wall Street na semana passada. Por sorte, eu estava por lá. Por azar, eu não vi. Verei em New Jersey em novembro. Dizem que ele não existe. Mando notícias.

Outra coisa que não sai da minha cabeça é o show que vi de…Elvis Costello e sua Revolver Tour. Fui até o tal United Palace no Bronx. Igreja e teatro, é um dos lugares mais incríveis que já entrei na cidade. Lindo de morrer. Bem, Costello é assunto de toda semana, mas esse show é muito especial! Pra quem não sabe, é um jogo de uma roleta pousada no palco com o nome de umas 60 músicas. Durante o show, alguns felizes são selecionados, na platéia, para girar a coisa. Então, os Attractions, ou melhor, os Imposters e Elvis tocam as sorteadas. Com essa dinâmica nenhum show é, no mínimo, igual ao outro. Fora isso, existem alguns lances a mais. Por exemplo, no meu show deu Cash na roleta. EC brincou que essa era a hora do público jogar dinheiro no palco. Mas logo emendou com um medley fantástico de Johnny Cash, culminando com uma versão, de arrancar os olhos, de I Still Miss Someone. É estarrecedor como eles brincam com suas capacidades. Se cai na palavra Time, como aconteceu, eles saem tocando umas 4 músicas com esse tema, algumas do repertório, outras completamente improvisadas. Durante a rodada, os selecionados ficam bebericando coquetéis num lounge bar, próximo ao piano, ou podem se aventurar num pole dancing instalado no palco. Entre os convidados, na minha noite, a bela Mary Louise Parker, de Weeds, foi pescada, rodou a roleta, ganhou sua música, dançou no poste para delírio do teatro-igreja e foi presenteada, por seu nome, como uma versão inesquecível de Marie’s the Name of His Latest Flame, minha música preferida de Elvis Presley (entre outras doze), composta por Doc Pomus, o maior ídolo, da música, de Lou Reed. O da literatura é, foi seu professor, Delmore Schwartz. Fora isso, é importante dizer que Costello abriu! o show com Alison e já emendou com Lipstick Vogue, o que fez meu coração disparar acima de 160 batimentos por minuto. E sim, ele tocou (porque na roleta deu) Everyday I Write The Book, I Don`t Want To Go To Chelsea, Peace, Love and Understanding (composta com Nick Lowe) e as raríssimas Stella Hurt, You Little Fool e New Lace Sleeves. Spectacle, o genial programa de TV de EC, afinou ainda mais a enciclopédia de música que ele é. Já falei aqui sobre o episódio do encontro com Elton John. Um clássico. Aliás, ouvi, nesse deserto iluminado, ao vivo, EJ cantando Mona Lisa and Mad Hatters e chorei de tão bonito. Semana que vem, Foo Fighters em L.A.

Felipe Hirsch ( O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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