Filme A Babel da Luz (1992)

Sinopse. Auto-retrato protagonizado pela poeta paranaense, Helena Kolody, 80 anos, enquanto espelho de suas próprias angústias, enquanto aventura lingüística única, enquanto repositório de uma biografia interminável.

Ficha técnica: (35mm. Cor, 10 min.). Seleção de poemas e roteiro: Sylvio Back. Fotografia e câmara: Walter Carvalho. Som-direto: Adair Comarú. Montagem e edição: Francisco Sérgio Moreira. Produção: Usina de Kyno. Patrocínio: O Boticário. Programação visual e poemas digitalizados: Solda. Apoio: Bamerindus/Fundação Cultural de Curitiba. Direção: Sylvio Back

 Premiação: “Melhor Curta-Metragem” e “Melhor Montagem” (Francisco Sérgio Moreira), (XXV Festival de Brasília/1992), “Melhor Curta-Metragem de 1992”, (Margarida de Prata – CNBB)

Crítica

O filme de Sylvio Back, que se recusa a tomar o formato inerte e solene do cinema-homenagem, trata tanto a personagem Helena Kolody quanto sua poesia como organismos vivos, pulsantes e em constante movimento. – Paulo Camargo (“Gazeta do Povo” – PR/2004). –

 O Poema, Afinal, Continua na Vida

Sylvio Back

Cinema é mera ilusão. O que o olho visualiza, a câmara nem sempre mediatiza. Fotografia e fotogenia – duendes rebeldes da cartola imagética. Há algo de erótico nisso tudo. Nesse intercurso assimétrico com o desconhecido. Virar as costas para as certezas do quadro entrevisto – puro risco. Desbanalizar a imagem. Como hoje ultrapassá-la a não ser remontando regra e subversão, intuição e acaso, citação e novidade? Só o anverso é certo.

Volta às origens, de quando o cinema precisava que se acreditasse nele. Na revolução do ato de ver que se anunciava. Que não era teatro filmado ou balé filmado, sucedâneo de circo ou de ópera, simulacro das artes plásticas. Era tudo isso, com o plus da multiplicação industrial do sonho.

Lumière e Méliès – nossos maiores, assestaram um neo-olhar e um neo-imaginário sobre o homem e sua coreografia – a pintura tornada movie para renascer numa superfície de incontrolável leitura anímica e telúrica.

O que tem sido o cinema, que carrega a pecha de não pensar, senão dar visibilidade às aparências, do invisível – a sugestão?

É nelas que o curta-metragem, “A Babel da Luz”, repousa a sua arqueologia, sua história e transcendência. No rito facial da poeta Helena Kolody, na suave retórica de Helena Kolody, no intenso silêncio de Helena Kolody – o alto relevo do magma espiritual de uma ilusão biográfica.

Com o “dizer” de poemas protagonizado pela própria autora, o filme vai no encalço de um estilo que consagre a ambos, criador e criatura.

Helena Kolody falando em versos, pelos seus versos – como se falasse de (a) cada um de nós, e à posteridade.

Por isso a imagem excludente do cotidiano em “A Babel da Luz”. Por isso a imagem eleita da poeta como o receptáculo e o espetáculo do todo – sem rebuços ou artifícios que não o eco e a cor da palavra. 

“A Babel da Luz” é o tráfico metafórico entre o falado e o calado, entre o escrito e o traduzido, entre o filmado e o gravado. A revelação do ser humano e de suas circunstâncias lastreada no fabro lírico, gráfico e semântico do poema. Que o poema, afinal, continua a vida.

Portanto, o filme da poesia sobre o poeta: Helena Kolody incorpora e verbaliza aqui a vocação inata do cinema, o poema deslocado do real para renascer sob o signo da aura tecnológica.

É a prestidigitação inexcedível do cinema que sempre flagra-se rupestre – o reencontro com o fotograma inaugural. –  

Entrevista de Sylvio Back à Gazeta do Povo(05|10|2012)

Yuri Al’hanati – O que o fascinou na figura da poeta, que o levou a fazer o filme? O que havia nela, enfim, que despertava tanto fascínio nas pessoas?

Sylvio Back – Antes de conhecê-la pessoalmente, desde à época em que dirigia o suplemento literário “letras & artes”, em fins da década de 1950, eu era leitor de sua poesia encantatória, plena de dor existencial e de uma felicidade mistica. No nosso primeiro encontro, de imediato  reconheci no rosto e no sorriso a própria aura dourada que emana de seus versos. Foi amor à primeira vista! E o romance continuou (e não acabou com sua morte!) quando em outubro de 1968, Helena assistiu ao meu filme “Lance Maior” como simples espectadora, numa sessão da tarde no cine São João. Quando me viu à saída na antesala, com os olhos marejados, me abraçou forte e, como era se seu feitio, se afastou em silêncio. Foi o melhor elogio que o filme recebeu até hoje.

Yuri Al’hanati – Que lembranças o senhor tem da figura de Helena Kolody? Como ela se portava com seus admiradores e em público?

Back – Quando nasceu o projeto do curta-metragem, “A Babel da Luz” (título de um verso da poeta), homenageando seus oitenta anos, tinha em mente apenas isso: a pessoa “Helena Kolody” é o filme, e pronto. Mas como fazer? Nenhuma circunstância biográfica ou externa à sua obra daria conta do genial vate. Portanto, sem entrevista, sem imagens aleatórias sobre o que a poeta estaria pensando ao escrever o verso (para escrever um poema não é necessário pensar em nada!), ou estrofes recitadas em off. Teria que ser algo holístico. O acaso, que preside toda criação do homem, pois é, acabou se imiscuindo em nossas conversas. A cada instante, Helena cortava o fluxo do diálogo, “dizendo”‘, sem afetação ou entonação dramática, versos inventados na hora ou de seu repertório. Ali me deu o estalo: Helena Kolody é a única e incontornável personagem de seus poemas. E assim foi feito o filme, com ela protagonizando seu formidável estro.

Yuri Al’hanati – Apesar de sua personalidade carismática, por que o senhor acha que ela nunca ganhou um maior destaque nacional?

Back – O poeta é sempre um estrangeiro em sua aldeia, em seu país, no cosmos. Somos tão estrangeiros nesta vida – é verso de Helena Kolody, quase uma sinopse de sua vida modesta e recatada, que publicou a maioria de seus livros por conta própria. Nem Curitiba, seus poetas e intelectuais, todos de corte conservador e provinciano (com as exceções que confirmam a regra), ou seus notáveis amigos de ofício, como Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meirelles, que  admiravam sua obra desde os anos 1940, quando escreveu os primeiros haicais no Brasil (uma década antes dos irmãos Campos, em São Paulo), lograram retirar Helena Kolody do anonimato e da falta de reconhecimento fora do Paraná. Sim, é preciso creditar ao belo poeta Paulo Leminski (1944-1989) que, aqui na “Gazeta do Povo”, em 1985, repicado pela “Folha de S.Paulo”, escreveu a magistral crônica, “Santa Helena Kolody”, chamando-a de “padroeira da poesia em Curitiba”. Foi o primeiro grito por uma redenção nacional de sua grandeza e importância na literatura brasileira. Desde então, poeta e poemas chancelaram a imortalidade de Helena Kolody. –

Helena Kolody
vivi para poeta
poemas ovíparos

Sylvio Back
(“Eurus”, 7Letras, Rio de Janeiro, 2004)

Sylvio Back: Biobliofilmografia

Sylvio Back, cineasta, poeta, roteirista e escritor. Filho de imigrantes húngaro e alemã, é natural de Blumenau (SC). Ex-jornalista e crítico de cinema, autodidata, inicia-se na direção cinematográfica em 1962, tendo realizado e produzido até hoje trinta e sete filmes – curtas, médias e onze longas-metragens: “Lance Maior” (1968), “A Guerra dos Pelados” (1971), “Aleluia, Gretchen” (1976), “Revolução de 30” (1980), “República Guarani” (1982), “Guerra do Brasil” (1987), “Rádio Auriverde” (1991), “Yndio do Brasil” (1995), “Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro” (1999); “Lost Zweig” (2003); “O Contestado – Restos Mortais” (2010); e “O Universo Graciliano” (2012, em finalização).

Publicou vinte e um livros (poesia, contos, ensaios) e os argumentos/roteiros dos filmes, “Lance Maior”, “Aleluia, Gretchen”, “República Guarani”, “Sete Quedas”, “Vida e Sangue de Polaco”, “O Auto-Retrato de Bakun”, “Guerra do Brasil”, “Rádio Auriverde”, “Yndio do Brasil”, “Zweig: A Morte em Cena”, “Cruz e Sousa – O Poeta do Desterro” (tetralíngue), “Lost Zweig” (bilíngue) e “A Guerra dos Pelados”.

Obra poética: “O Caderno Erótico de Sylvio Back” (Tipografia do Fundo de Ouro Preto, MG, 1986); “Moedas de Luz” (Max Limo¬nad, SP, 1988); “A Vinha do Desejo” (Geração Editorial, SP, 1994); “Yndio do Brasil” (Poemas de Filme) (Nonada, MG, 1995), “bou¬doir” (7Letras, RJ, 1999), “Eurus” (7Letras, RJ, 2004), “Traduzir é poetar às avessas” (Langston Hughes traduzido) (Memorial da América Latina, SP, 2005), “Eurus” bilíngue (português-inglês) (Ibis Libris, RJ, 2006); “kinopoems” (@-book) (Cronópios Pocket Books, SP, 2006) e “As mulheres gozam pelo ouvido” (Demônio Negro, SP, 2007). 

Com 74 láureas nacionais e internacionais, Back é um dos mais premiados cineastas do Brasil. Sua obra poética, em especial, os livros de extrato erótico, coleciona uma vasta fortuna crítica. Em 2011, recebe a insígnia de Oficial da Ordem do Rio Branco, concedida pelo Ministério das Relações Exteriores pelo conjunto de sua obra cinematográfica e de roteirista. –

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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